quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Fotos de adolescentes araxaenses nuas são postadas nas redes sociais. Qual a resposta penal?


Um recente acontecimento nas redes sociais chamou a atenção da comunidade araxaense para um problema que, já a algum tempo, coloca em xeque questões relacionadas à intimidade, privacidade e, principal e especialmente neste caso, a proteção integral da infância e adolescência. Trata-se da postagem de fotos de menores nuas e seminuas em redes sociais. O escândalo transbordou as fronteiras da região do Alto Paranaíba e alcançou o noticiário nacional. Vide o texto para saber mais.

Concentrando-se, unicamente, nos aspectos jurídico-penais de tais comportamentos, segue-se uma série de questões e respostas para as principais perguntas enviadas por alunos nos últimos dias:

1) A postagem de fotos e vídeos íntimos na internet implica, necessariamente, em um crime?

R: Não necessariamente. A simples postagem de imagens íntimas na internet não constitui-se, por si só, em crime, ainda que nalgumas situações e à luz de determinados fatos possa sê-lo. Fotos e vídeos de pessoas maiores de 18 (dezoito) anos não constituem-se em algo naturalmente ilícito. Nesse sentido, apesar da violação de intimidade quando as fotos são postadas sem o consentimento de alguma das pessoas retratadas na imagem, não há de se falar em resposta penal, ainda que alguma satisfação jurídica, em razão de danos morais e à imagem, possa ser obtida desde a responsabilidade civil daquele que atenta contra a intimidade ou privacidade de algum dos retratados.

Por outro lado, a postagem de fotos eróticas e pornográficas de maiores de 18 anos pode constituir-se, dependendo do endereço eletrônico e da forma que foram postadas, em crime de objeto obsceno, nos termos do art. 234 do Código Penal ("Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa). Destaca-se, que para a constituição de tal figura típica, um dos elementos indispensáveis é que, ainda que afastada a especial finalidade comercial, exista, ao menos, o intuito de distribuir tais fotos à um número indeterminado de pessoas ou dar publicidade às imagens. Desta forma, a troca de fotos eróticas e pornográficas entre pessoas determinadas, remetidas por alguém para específicas pessoas, não possui o condão de tipificar o delito de objeto obsceno.

Destaca-se, ainda, que dependendo da forma que tais fotos são utilizadas, poderá ser o caso doutros crimes. Quando alguém, utilizando de fotos íntimas, atua com o objetivo de constranger alguém a fazer ou deixar de fazer algo que a lei, respectivamente, não obriga ou não proibe, poderá ser o caso do delito de constrangimento ilegal (art. 146, CP); sendo a finalidade obter indevida vantagem patrimonial, poderá ser o caso de extorsão (art. 158, CP) e; por fim, possuindo o objetivo de obrigar a vítima à prática sexual, conforme o caso, poderá constituir-se em violação sexual (art. 215, CP), mediação para satisfazer a lascívia de outrem (art. 227, CP) e, até mesmo, favorecimento à prostituição (art. 228, CP).

Sendo indivíduos menores de idade aqueles representados nas imagens, as respostas serão outras.

2) A captura de imagens íntimas de menores de 18 anos é crime?
R: Não necessariamente. Para que a representação visual de menores em fotos e vídeos seja considerada como um objeto ilícito por natureza, é imprescindível que possa ser, juridicamente, considerada como pornografia infantojuvenil.

Quais são os critérios para que uma imagem seja considerada como tal? O art. 241-E do Estatuto da Criança e do Adolescente é categórico em tais requisitos: "Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão 'cena de sexo explícito ou pornográfica' compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais". Uma observação pessoal: Julgo tal descrição de "cena de sexo explícito ou pornográfica" inadequada, por restringir, indevida e demasiadamente, as possibilidades de reconhecimento do caráter pornográfico da imagem. Por exemplo, fotos de menores em roupas íntimas e provocantes, com nítido objetivo de provocar a excitação, não serão consideradas eróticas desde que não exista a sugestão do ato libidinoso e que os genitais não estejam à mostra.

Desde tal descrição de cena de sexo explícito ou pornográfica, pode-se afirmar que não serão todas imagens de menores em situação de intimidade consideradas como pornografia infantojuvenil. É necessário que a criança ou adolescente esteja engajada na prática de atos libidinosos (reais ou simulados) ou, ao menos, exponha-se de tal forma que visíveis seus órgãos genitais. Fotos que meramente capturem singelos abraços ou beijos, ainda que num contexto de intimidade, não constituem-se, portanto, em objeto material dos casos de pornografia vedados pelo ECA.

Nota-se que a exibição de fotos de menores no contexto que permite reconhecer o seu envolvimento com ato infracional, ainda que não constitua-se em crime, trata-se de uma infração administrativa nos termos do art. 247 e §§, do ECA.

3) A captura de imagens de menores em cena de sexo explícito ou pornográfica sempre constitui-se objeto ilícito penal?
 R: Sim, a representação da imagem de menores em situações descritas pelo art. 244-E do ECA como pornográficas é, per se, um objeto ilícito. Importa salientar que o consentimento do menor de 18 anos que participa da cena é completamente irrelevante, constituindo-se as imagens em objeto material dos crimes descritos nos art. 240 à 241-D do ECA, quer a criança ou adolescente aceite, quer não, ser retratado nestas condições.

Destaca-se, entretanto, algumas particularidades. Se as imagens ou vídeos forem produzidas por alguém menor de 18 (dezoito) anos, por certo, em razão da inimputabilidade do sujeito ativo, não há de se falar em crime, mas em ato infracional. Esse fato, entretanto, não afasta a natureza criminosa das imagens.

Aquele sujeito, maior de 18 anos, que produz, reproduz, dirige, fotografa, filma ou registra, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfico, faz-se merecedor da responsabilidade penal nos termos do art. 240 do ECA, que estabelece para tais condutas a pena de 4 (quatro) à 8 (oito) anos, e multa. Na mesma pena incorre quem agencia, facilita, recruta, coage ou de qualquer forma intermedeia a participação do menor de 18 anos nestas cenas.

A venda ou exposição à venda do material no qual se apresentem crianças ou adolescentes em cenas de sexo explícito ou pornográfico merece reprovação penal nos termos do art. 241 do ECA, que estabelece pena de 4 à 8 anos, e multa. Nota-se que a constituição de tal figura criminosa é limitada àqueles que praticam tais condutas, evidentemente imbuídos do intuito de lucro, mas que não se sejam as mesmas pessoas que produziram o material pornográfico que estão a vender. Neste caso, em razão do princípio da consunção (post factum impunível), a conduta de vender ou expor à venda resta absorvida pelo delito de produzir as imagens porquanto considerada como mero exaurimento da produção do material pornográfico.

Mesmo afastada a finalidade de lucro, a pessoa que oferece, troca, disponibiliza, transmite, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente, responderá por um crime (art. 241-A do ECA) ao qual a lei comina uma pena de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. O caso no qual as fotos de nudez de garotas araxaenses foram postadas em redes sociais, em tese e à luz dos parcos fatos conhecidos, constitui-se neste particular delito. A mesma observação sobre o princípio da consunção aplica-se nestas situações.

A simples o ato de adquirir, possuir ou armazenar, de qualquer forma, pornografia infantojuvenil é fato suficiente para afirmar a natureza criminosa de tais condutas, sendo o agente responsabilizado nos termos no art. 241-B do ECA [pena de 1 (um) à 3 (três) anos, e multa]. Da mesma forma, aplicável as considerações sobre o princípio da consunção.

Aquele que convence pessoa menor de idade à exibir-se de forma sexual ou explícita pela internet ou outro meio de comunicação, responde nos termos do art. 241-D do ECA que prevê uma pena de 1 (um) à 3 (três) anos, e multa. Se o agente grava tal exposição, poderá ser o caso de, ao invés da figura criminosa do art. 241-D, afirmar a configuração do art. 240 do ECA.

4) Qual a responsabilidade penal das empresas que administram as redes sociais no caso de fotos divulgadas através destas?
R: Partindo do pressuposto que não se admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, exceto nos casos de crimes ambientais, contra o sistema financeiro nacional e contra a economia popular, não há de se falar na responsabilidade penal da pessoa jurídica nestes casos.

A responsabilidade penal das pessoas naturais que sejam administradores ou moderadores destas redes sociais pode, entretanto, ser verificada nos termos do art. 241-A, § 1º e incisos: 

Art. 241-A. [...]
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo;
II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.

Destaca-se, entretanto, que, para a responsabilidade penal por tais comportamentos ser ratificada, é indispensável demonstrar que os administradores e moderadores, além de assegurar os meios de armazenamento ou acesso ao material pornográfico infantojuvenil, tenham ciência da natureza do material. Tais crimes somente são admitidos na forma dolosa e, face o princípio da responsabilidade subjetiva em matéria penal, não é admissível que alguém seja imputado por tal crime desde critérios meramente objetivos.

Os administradores e moderadores podem ainda ser responsabilizados, se, depois da publicação ou armazenamento de tais imagens e reconhecendo tratar-se de material de pornografia infantojuvenil, não retirarem ou bloquearem, de imediato, o acesso a tais conteúdos. Neste caso, a omissão penalmente relevante será afirmada nos termos do art. 13, § 2º, II, "a" do Código Penal. Recomenda-se aos administradores e moderadores, nesta situação, que comuniquem, de pronto, as autoridades policiais.

E os casos de cegueira voluntária? Trata-se daquelas situações nas quais os administradores e moderadores, cientes da existência duma grande probabilidade de encontrar material proibido (como é o caso da pornografia infantojuvenil), omitem-se em suas responsabilidades de fiscalização para evitar tomar conhecimento de algo que sabem, com razoável grau de certeza, presente em seus sistemas de armazenamento. Nestas situações, é possível a responsabilidade criminal por tal cegueira voluntária porquanto constitui-se em condição suficiente para o reconhecimento do dolo eventual na prática do crime previsto no art. 241-A, § 1º, e incisos na modalidade comissiva por omissão (art. 13,§ 2º, "a", do CP).

A denúncia de tais imagens envolvendo crianças e adolescentes em cenas pornográficas pode ser feita neste sítio da Polícia Federal.

5) A manipulação de imagens de pessoas maiores de 18 anos para fazê-las parecer crianças ou adolescentes é um crime?
R: Sim, o justo repúdio à pornografia infantojuvenil é de tal maneira intenso em nosso ordenamento jurídico que a simples simulação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual é suficiente para a criminalização da conduta nos termos do art. 241-C do ECA, que estabelece uma pena de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

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