domingo, 30 de março de 2014

Ninguém merece ser estuprado, mas, também, ninguém merece esta pesquisa malfeita do IPEA


A pesquisa do IPEA sobre a tolerância social à violência contra as mulheres provocou uma grande comoção nacional. Inclusive, grupos de pessoas enormemente indignadas com o resultado promoveram uma grande movimentação nas redes sociais com o slogan #nãomereçoserestuprada.

A grande indignação estaria vinculada pelas conclusões dos autores da pesquisa que sustentam que uma parcela significativa da população brasileira defenderia o estupro no caso da vitima usar roupas provocantes ou quando se comportasse inadequadamente.

Destaca-se que é absolutamente compreensível a indignação com qualquer argumentação em defesa do indefensável estupro. Também é inegável que a mulher brasileira encontra-se particularmente vulnerável à violência física, moral, psíquica, econômica e social, sendo mais do que devido políticas públicas para prevenção e repressão de tais odiosas práticas, especialmente, o estupro. De fato, é absolutamente inatacável a sentença que vaticina que ninguém merece ser estuprado. Porém, depois de ler atentamente a pesquisa e os seus procedimentos metodológicos, muitos problemas se destacam.

A pesquisa se utiliza de sentenças vagas, interpreta equivocadamente dados, falha em inter-relacioná-los e parte de uma interpretação ideologicamente orientada.

Alguns dos principais problemas são expostos a seguir, quando apresentados problemas de argumentação, interpretação e redação, em determinadas questões da pesquisa.



TODA MULHER SONHA EM SE CASAR.

Foram perguntados aos entrevistados se eles concordavam com a seguinte afirmação: "Toda mulher sonha em se casar". Uma parcela bastante significativa concorda totalmente com a proposição (50,9%), enquanto outra concorda parcialmente (27,8%). Desde tais números concluem os pesquisadores:

"Mais da metade dos entrevistados concordou totalmente com esta frase. Somados aos que concordam em parte, tem-se que quase 79% da população possui noção bastante estereotipada sobre os desejos e ideais de vida das mulheres. Acreditar que toda mulher tem como projeto de vida casar-se e constituir uma família é compatível com a ideia de que a mulher somente pode encontrar a plenitude numa relação estável com um homem, ou, ainda, de que depende de um companheiro que a sustente e, finalmente, de que é mais recatada e possui menos desejos sexuais, não almejando, portanto, uma vida de solteira ou de muitos parceiros".

O problema desta linha de interpretação dos dados reside nos fatos que os pesquisadores deixam de levar em conta que 66,5% dos entrevistados é do gênero feminino e somente 33,5% são homens. Significa dizer que mesmo que todos os homens sejam da opinião que o público feminino tenha o sonho do casamento (uma impossibilidade estatística), isso implicaria que os 45,2% dos entrevistados (a maioria) que concorda que a mulher sonha em se casar é composto, justamente, por mulheres.

Esse percentual de 45,2% de respostas de mulheres que concordam com a afirmação do casamento com sonho feminino implica dizer que de todas as mulheres entrevistadas, um mínimo de 67,9% concorda - total ou parcialmente - com tal proposição.

Sendo assim, é verdade que nem toda mulher sonha com o casamento, mas, por outro lado, é demonstrado pelos fatos que a grande maioria do público feminino reconhece o casamento como um sonho. Ora, confiando na precisão dos dados impõe-se o reconhecimento de que 2 (duas) em 3 (três) mulheres concordam que o casamento é desejo feminino. Assim posto, resta bastante complicado sustentar que os homens sejam machistas. Isso por que, os números demonstram que, o sonho do casamento é, de fato, um anseio da maioria das mulheres.

Seria como dizer que a sociedade é machista por acreditar no estereótipo de que o casamento é o sonho de toda mulher, ainda que, de fato, seja o sonho da grande maioria.

Se os números coletados permitem concluir algo, antes de concluir pelo machismo, é que, de fato, uma grande percentual de mulheres sonha com o casamento.

TEM MULHER QUE É PARA CASAR, TEM MULHER QUE É PARA LEVAR PARA CAMA

Os dados coletados na pesquisa do IPEA permitem afirmar que um número bastante considerável de pessoas concorda com a correção da popular proposição. Quanto aos números, concluíram os pesquisadores:

"Classificar as mulheres de acordo com seu comportamento sexual, avaliando-o sob a perspectiva masculina, e considerar que mulheres sexualmente livres não são boas companheiras são ideias que evidenciam de forma gritante o sexismo presente em nossa sociedade".

Novamente, permito-me discordar da interpretação dos dados realizada pelos pesquisadores do IPEA e, em razão de minha discordância, peço paciência para explicar meus motivos.

Desde a revolução comportamental - derivada da introdução da pílula anticoncepcional no cotidiano da sociedade brasileira e das consequentes possibilidades de desvincular o ato sexual de uma gravidez indesejada - é possível reconhecer uma progressiva liberação moral nas questões afeitas à prática sexual, talvez somente refreada, temporariamente, com o advento do fantasma da AIDS nos anos 80-90. 

É impossível negar que desde os anos 60, experimenta-se, em virtualmente todos os países ocidentais, uma crescente emancipação sexual da mulher, que podendo controlar razoavelmente o advento da gravidez, logrou êxito em modificar completamente a dinâmica das relações sociais. Por exemplo e especialmente destaca-se a grande e mais do que justa inserção das mulheres no mercado de trabalho.

Mas ainda permanece correto dizer que algumas mulheres são para casar e outras para transar. Isso significa machismo? Não necessariamente. Significa dizer que também existem homens para casar e homens para transar. Explica-se antes que qualquer acusação de machismo seja proferida.

Entendo por razoável sustentar que os critérios que levam uma pessoa a escolher um(a) parceiro(a) sexual são consideravelmente diferentes da escolha de um(a) cônjuge. Dito doutra maneira, as exigências para que alguém seja elegível enquanto parceiro(a) sexual são diferentes daquelas que se demandam quando o que se procura é alguém para o compromisso do casamento.

Não me parece um absurdo machista dizer que o homem procura qualidades diferentes em uma mulher conforme deseje somente o ato sexual ou quando selecione uma consorte. Da mesma forma que não acredito ser despropósito feminista dizer que uma mulher, desejando somente um parceiro sexual, seja menos criteriosa, do que seria quando deseja um marido.

Exemplificando: Seria um absurdo que uma mulher se sinta excitada sexualmente por um homem que lhe atraía fisicamente, mas ainda assim, analisando seu comportamento, entenda que não é um candidato ideal para o casamento? Não me parece ser o caso. 

Ora, se em regra, uma pessoa (homem ou mulher) é menos criteriosa quando escolhe parceiros ocasionais para a prática sexual do que seria quando escolher um cônjuge, pode-se bem afirmar que existe sim homens ou mulheres para transar e homens ou mulheres para casar, sem que com isso seja-se misógeno, chauvinista ou machista.

Interessante destacar um trecho de uma pesquisa da PUC-SP (GIANFALDONI, et. al.. Psic. Rev. São Paulo, volume 18, n.1, 99-111, 2009):

"Os dados indicaram que existem diferenças entre critérios usados por mulheres para selecionar seus parceiros para relacionamentos de curto e de longo prazo. Utilizando o mesmo tratamento para todas as categorias, os resultados evidenciam que as mulheres mostram-se menos exigentes quanto a parceiros de curto prazo, uma vez que elas atribuíram valores numéricos mais baixos para as características destes potenciais parceiros em relação às características que ela mesma julga possuir".

Demonstrado, pois, que não somente homens categorizam suas parceiras em aptas para um relacionamento curto e aptas para um relacionamento longo. Mulheres também selecionam seu parceiros da mesma maneira. Ou seja, conforme afirmado, existem homens ou mulheres para transar, bem como, existem homens ou mulheres para casar.

MULHERES QUE USAM ROUPAS QUE MOSTRAM O CORPO MERECEM SER ATACADAS

Eis aqui um exemplo de uma questão mal formulada que pode dar vazão a um número considerável de interpretações. Considerando que o termo "atacar" pode ser compreendido desde vários significados e, especialmente, reconhecendo o grande número de jovens entrevistados (28,5%) que são comumente associados com a utilização de gírias e coloquialismo, deve-se pontuar que a escolha de tal redação é deveras ambígua e imprecisa.

Ainda sobre os significados da palavra "atacar", pode-se destacar que não raramente ela é utilizada no sentido de criticar. Aliás, quando se afirma atacar a metodologia da pesquisa em pauta, não se está a defender que o trabalho deva ser espancado ou estuprado.

Parece ser o caso de que o termo "atacar" bem poderia ser entendido pela maioria dos entrevistados como "censurar". Esta confusão poderia ter sido evitada se os pesquisadores fossem mais precisos e menos ambíguos na formulação das questões.

Porém, mesmo considerando que a maioria das pessoas entendeu o termo "atacar" no sentido de "praticar um ato de violência", mesmo assim, restaria profundamente incerto os limites da violência com a qual concorda o entrevistado. A própria L. n. 11.340/2006, enumera várias formas de violência que podem ser compreendidas como "atacar":

Art. 7º  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Porém, os pesquisadores, indevidamente, consideram que o verbo "atacar" é um sinônimo de agressão sexual e sustentam que a maioria dos entrevistados concorda que uma mulher vestindo roupas provocantes mereceria o estupro. Uma conclusão completamente divorciada das respostas coletadas.

Aliás, tal interpretação de "atacar" como "estuprar" parece ser demasiado contraditória quando verificados outras respostas na própria pesquisa:

a)  91,4% concordam que o homem que bate na esposa deve ir para a cadeia;

b) 82,1% discordam que a mulher que apanha em casa deve ficar quieta para não prejudicar os filhos;

c) 68,1% reconhecem que é uma violência falar mentiras sobre uma mulher para os outros;

d) 89,2% discordam que o homem pode xingar ou gritar com a própria esposa.

Destaca-se que noutro estudo, quando perguntado ao brasileiro "se uma pessoa foi infiel ao seu(ua) parceiro(a) ele(a) mereceria apanhar" a discordância absoluta alcançou notáveis 70,9%. Ninguém concordou totalmente com tal licença à violência.

Ou seja, considerando respostas de outras questões e outras pesquisas, existe um repúdio à violência contra a mulher, inclusive àquelas agressões verbais e morais. Nestes termos, não parece ser razoável supor que as mesmas pessoas que repudiam a violência contra a mulher nestas questões, defendam o estupro noutra.

Parece ser certo que se o termo "atacar" fosse substituído pelo "estuprar" o número de concordantes seria significativamente menor. Lamentavelmente não seria nulo.


SE AS MULHERES SOUBESSEM COMO SE COMPORTAR, HAVERIA MENOS ESTUPROS

Talvez um dos pontos da pesquisa que mais gerou polêmica, resume-se a este. Segundo os pesquisadores, tais números permitiriam a seguinte conclusão:

"A culpabilização da mulher pela violência sexual é ainda mais evidente na alta concordância com a ideia de que 'se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros' (58,5%). Por trás da afirmação, está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres, que os provocam, é que deveriam saber se comportar, e não os estupradores. A violência parece surgir, aqui, também, como uma correção. A mulher merece e deve ser estuprada para aprender a se comportar. O acesso dos homens aos corpos das mulheres é livre se elas não impuserem barreiras, como se comportar e se vestir 'adequadamente'".

Mais uma vez, respeitosamente, discordo das conclusões dos pesquisadores, uma vez que é verdadeiro que se as mulheres soubessem se comportar, de fato, existiriam menos estupros. Calma, calma, calma. Antes do apedrejamento, deixem-me explicar minhas razões.

Segundo estudos de vitimologia, é possível destacar 10 (dez) fatores que implicam em diferentes níveis de vitimização ou seja, 10 (dez) diferentes componentes que, conforme o caso, aumentam ou diminuem os risco de tornar-se em uma vítima. São eles, sinteticamente:

a) Oportunidade: que é intimamente relacionada com as características dos potenciais alvos, especialmente suas atividades e comportamento;

b) Fatores de risco: particularmente aqueles elementos demográficos, como idade, gênero, local de residência, ausência de protetores, etc;

c) Ofensores motivados: Quando o criminoso ataca um particular grupo de vítimas, como é o caso de crimes motivados por discriminação de gênero ou por racismo;

d) Exposição: A colocação em situações de proximidade com potenciais criminosos ou em situações de periculosidade aumentam as possibilidades de vitimização;

e) Associação: A relação pessoal, profissional ou social com potenciais criminosos aumenta a chance de tornar-se uma vítima por proximidade;

f)  Locais e horários perigosos: As possibilidades de se tornar uma vítima também decresce ou se incrementa conforme as condições de tempo e lugar. Frequentar determinados espaços públicos em determinados horários pode, muito bem, aumentar as chances de vitimização;

g) Comportamentos perigosos: Isso porque certos comportamentos, como a provocação, podem implicar em aumento do risco de violenta vitimização enquanto outros comportamentos como negligência podem aumentar as possibilidades de vitimização patrimonial, por exemplo;

h) Atividades de alto risco: Por exemplo, certas ocupações, como a prostituição, carregam em si um alto potencial para a criminalização violenta. Policiais, também, estão expostos aos riscos inerentes à atividade;

i) Comportamento defensivo: A tomada de precauções relativamente simples podem muito bem diminuir as chances de vitimização. Andar em grupo, proficiência em métodos de defesa pessoal, podem diminuir as possibilidades de agressão;

h)  Marginalização: A marginalização de determinados grupos sociais, especialmente minoritários, podem deixar os indivíduos pertencentes a tais categoriais, especialmente expostos a possibilidades de vitimização.

Para melhor ilustrar as variáveis acima, tomemos como exemplo os cuidados recomendados na prevenção de crimes patrimoniais. Neste caso pouquíssimos desafiariam o bom senso e a prudência de alguns conselhos básicos como não deixar bolsas ou mochilas desacompanhadas, usar cadeados em bicicletas ou evitar ostentar um celular em certas localidades e em determinados horários. Tratam-se todos os conselhos acima de diretrizes comportamentais que qualquer pessoa pode tomar para si com o escopo de diminuir as possibilidades de vitimização.

Aliás, é de se notar que em um país de "espertos", não raro, as vítimas são reconhecidas nalguns casos como "trouxas" ou "otários". Chama-se a atenção para aquela pessoa que deixa o celular completamente sem vigilância em uma mesa de bar enquanto vai ao banheiro. As chances de ser vitimado por um crime patrimonial são sensivelmente incrementadas pelo próprio comportamento negligente do proprietário. Não é raro nestes casos, quando eventualmente ocorre o furto, que inclusive amigos da vitima a censurem por ter sido tão descuidada. Evidentemente, isso não significa que a pessoa mereceu ser vitimada, porém, a falta de cuidado com seus próprios interesses é visto como uma ingenuidade censurável. Foi o que aconteceu, para destacar um caso de considerável repercussão, com Luciano Huck que foi assaltado quando trafegava em seu veículo usando um rolex. Muitos o criticaram por ostentar um relógio caríssimo em uma cidade deveras perigosa. Não se trata de afirmar que a culpa é da vítima. A censura aqui é por não proceder a cuidados elementares que poderiam preservar não somente o patrimônio, mas também a integridade física e até a vida do vitimado.

Nestes casos, portanto, dizer que eles mereceram o acontecido não implica dizer que existiria um dever moral de praticar crimes contra estas pessoas. Não se trata de desculpar o malfeitor, mas de criticar a vítima por não reconhecer a importância de preservar seus próprios interesses.

A ideia de que é possível diminuir o perfil de vítima é aplicado perfeitamente na prevenção de crimes sexuais. Nestes termos e observando as variáveis acima, é de se reconhecer que alterando determinados comportamentos, qualquer pessoa, homem ou mulher, pode diminuir seu perfil de vítima, mitigando sua vulnerabilidade. Nestes termos, saber se comportar é, justamente, não se comportar de forma a aumentar as possibilidades de vitimização.

Exemplos de comportamentos que diminuem as possibilidades de vitimização sexual da mulher:

a) Não deixar copos de bebidas desacompanhados ou não aceitar bebidas de estranhos, evitando o famigerado estupro por violência química, vulgarmente conhecido por "boa noite, cinderela";

b) No caso de menores de idade, especialmente crianças, não conversar ou confiar em estranhos, seja na rua, seja na rede mundial de computadores. Tal comportamento defensivo evitaria muitas situações de crimes de estupro de vulneráveis e de exposição de imagens eróticas;

c) Zelar pela privacidade evitando expor informações de sua vida particular em redes sociais. No caso de ofensores motivados, a internet por funcionar como uma importante fonte de informações que aumentam o perfil de vulnerabilidade do alvo;

d) Evitar situações nas quais permanece-se sozinha com pessoas desconhecidas em ambientes fechados ou locais ermos; e

e) No caso de assédio sexual no ambiente de trabalho, é recomendado, nalguns estudos sobre prevenção, que a vítima evite roupas reveladoras ou impróprias ao desempenho da atividade profissional. 

f) Cursos de autodefesa provaram-se experiências bastantes eficazes para evitar a consumação de agressões sexuais. Por certo, aulas de autodefesa são uma mudança comportamental, mas acho difícil argumentar que ensinar alguém a chutar os testículos de um estuprador seja um reflexo de uma mentalidade machista.

É evidente que a apresentação sintética de algumas precauções, como são as citadas anteriormente, não esgotam o rol de possibilidades defensivas para diminuir as possibilidades de ser vitimada por um crime sexual, nem mesmo evitam por completo a possibilidade de um estupro, especialmente considerando crimes passionais ou um agressor altamente motivado. Também é certa a injustiça de um mundo no qual uma pessoa é forçada a mudar sua rotina para evitar ser brutalizada por criminosos. Entretanto, deixar de reconhecer que vivemos numa sociedade perigosa e não tomar providências simples e eficazes que aumentam a segurança pessoal é de uma ingenuidade ou temeridade sem tamanho. Nesta esteira, trata-se de um enorme desserviço à prevenção dos crimes sexuais aquelas ações e discursos que afirmam que a mulher não deve alterar seu comportamento, pois tal discurso, em verdade, afirma que a mulher não deve se preocupar e/ou tomar providências contra os horrores que podem, injustamente, lhe atingir.

Em suma: A modificação da rotina e do comportamento de uma pessoa pode diminuir a vulnerabilidade individual e, por consequência, mitigar as possibilidades de tornar-se vítima. Neste sentido, portanto, é correto afirmar que se a mulher souber se comportar, o número de estupros possivelmente diminuirá.

O BRASILEIRO É TOLERANTE COM O ESTUPRO?
Ao afirmar que o brasileiro é particularmente tolerante com o estupro, os pesquisadores ignoram ou desconhecem vários estudos que indicam que este é o crime mais repudiado por nossa população.

Um estudo da USP (2010) é muito esclarecedor neste sentido:

a) Em resposta múltipla - permitindo mais de uma menção - e espontânea à pergunta sobre quais crimes mais graves merecem sempre punição, 63,7% dos entrevistados indicaram o estupro. Para efeitos de comparação, aqueles que indicaram o homicídio não excedem 40,8%.

b) Para os entrevistados (40%), o crime de estupro é tão grave que justifica inclusive a tortura de suspeitos.

c) Nesta mesma entrevista, quando perguntado qual dos crimes mereceria a pena de morte, o estupro ficou em primeiro lugar. Segundo o estudo "em geral em todas as cidades as penas mais severas são aquelas atribuídas aos estupradores, seguidos dos terroristas".

Além disso, é um fato notório que nos estabelecimento penitenciários não há criminoso mais desprezado e odiado do que o estuprador. No caso de condenação por tal crime, é inclusive de se destacar que a vida do preso corre severo risco se não for apartado da população geral.

CONCLUSÃO
O estudo do IPEA padece de graves problemas, especialmente na formulação das questões, análise e interpretação dos dados. Suas conclusões são ideologicamente orientadas, divorciadas e conflitantes com os dados coletados.

Ainda que ninguém mereça uma pesquisa com tantas e graves falhas, destaca-se que tais problemas não implicam que a violência contra a mulher não exista, que ela seja menos do que hedionda ou que não seja importante a implementação de políticas públicas com o fito de prevenir e reprimir a violência de gênero.

De positivo, desta pesquisa, somente destaca-se a mobilização para lembrar o que ninguém deveria esquecer: #NinguemMereceSerEstuprado.


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