quarta-feira, 30 de abril de 2014

STF: Afastado o princípio da insignificância em casos de contrabando de cigarros

Negado princípio da insignificância em caso de contrabando de cigarros
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido de habeas corpus formulado por um comerciante da cidade de Monte Carmelo (MG), denunciado pelo crime de contrabando de cigarros. A Turma entendeu que não se aplica ao caso o princípio da insignificância, como requeria o acusado.
No caso tratado pelo Habeas Corpus (HC) 121916, foram apreendidos dentro do bar do acusado um total de 1.401 maços de cigarro oriundos do Paraguai, seguindo denúncia por contrabando. A denúncia foi rejeitada por decisão da primeira instância da Justiça Federal, que aplicou ao caso o princípio da insignificância, uma vez que o valor de tributos não arrecadados com os cigarros totaliza montante inferior ao estabelecido pelo artigo 20 da Lei 10.522/2002. A lei em questão determina o arquivamento, mediante requerimento de procurador da Fazenda Nacional, das execuções fiscais de valor inferior a R$ 10 mil.
A decisão foi revertida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), que determinou o prosseguimento da ação penal, entendimento mantido em recurso interposto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). No STF, o acusado pede novamente a aplicação do princípio da insignificância ao crime.
Decisão
Segundo o relator no HC, ministro Luiz Fux, no caso da importação de cigarros com elisão de impostos ocorre um crime em que há uma lesão “bifronte”, que atinge não só a atividade arrecadatória do Estado, mas interesses públicos como a saúde e a atividade industrial. O crime de contrabando, diz o relator, é o que incide no caso, uma vez que há a proibição da importação da mercadoria pelas autoridades nacionais de saúde.
“O princípio da insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em vista que não é o valor material que se considera na espécie, mas os valores éticos e jurídicos que o sistema normativo-penal resguarda”, afirma em seu voto.
O voto do relator denegando a ordem foi acompanhado na Turma por unanimidade.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Uma banana jurídica para o racismo: Injúrias qualificadas no futebol



No dia 27 de abril de 2014, uma lamentável infâmia foi seguida de brilhante resposta. No estádio El Madrigal, durante o segundo tempo do jogo entre Villarreal e Barcelona, uma banana foi jogada aos pés do jogador blaugrana, o brasileiro Daniel Alves. 

O absurdo do ato de evidente conotação racista somente foi superado pela altivez e bom humor da resposta do lateral brasileiro. Tomou a banana e comeu, tanto a fruta quanto a bola (esta última no sentido figurado). A equipe catalã empatou e virou o jogo, saindo de campo com a vitória, tanto ludopédica quanto moral.

A solidariedade com Daniel Alves foi ampla e irrestrita, como não poderia deixar de ser. O atacante Neymar, que não jogou por estar machucado, lançou uma trend no twitter que rapidamente tomou conta das redes sociais. #somostodosmacacos.

Se no âmbito das ideias, talvez nenhuma seja tão odiosa do que julgar uma pessoa por elementos de sua identidade, reconhece-se que a atitude de Daniel Alves possui uma gigantesca qualidade pedagógica por expor ao ridículo a abominação do racismo e a estupidez daqueles que acreditam que uma pessoa pode ser julgada pela cor da pele. Nisso se recorda as palavras de Martin Luther King Júnior que vaticina que ainda chegará o dia que o sonho de que todos serão julgados pela qualidade de seu caráter e não pela cor de pele se tornará realidade. Daniel Alves contribuiu para que esse dia se apresse.

O Villarreal, já na segunda-feira (28/04/2014), se apressou em informar que o torcedor foi identificado e banido, para sempre, do estádio El Madrigal. A identidade do torcedor, descoberta graças ao sistema de segurança e a colaboração dos torcedores, não foi revelada.

Os exemplos de racismo no futebol, entretanto, não resumem a acontecidos em paragens europeias. No dia 6 de março de 2014, na vitória do Santos sobre o Mogi-Mirim, o jogador Arouca foi alvo de ofensas racistas, sendo chamado de "macaco" por um torcedor do Mogi. O jogador, visivelmente triste, se pronunciou: "Bom nem ouvir, nem dar ouvido a essas pessoas. Nem sei se pode chamar de pessoa. É uma situação difícil de comentar, mas acontece não só no futebol. Espero que alguém possa tomar uma providência muito severa porque isso é lamentável".

A justificável tristeza e indignação do torcedor remete à pergunta sobre qual seria a resposta jurídico-penal para tal imbecil ato de racismo praticado pelo torcedor do Villarreal, se praticado no Brasil? E para o caso do jogador Arouca, ofendido enquanto defendia as cores de seu time?

A primeira questão a ser enfrentada nesses casos é a determinação das pessoas e dos atos injuriosos praticados individualmente praticados por elas. Deve-se lembrar que, se por um lado, a justiça desportiva  permite a punição do clube por atos praticados por seus torcedores, por outro, o Direito Penal, baseado no princípio da culpabilidade e da responsabilidade subjetiva, demanda a imperativa identificação do criminoso e a individualização de seu comportamento. 

Não é possível, pois, em Direito Penal, a punição do clube por atos praticados pelos seus torcedores, visto que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é somente reservado a casos excepcionais que, segundo a segmentos consideráveis da doutrina, se resumem a situações de crimes contra o Meio Ambiente, a Ordem Econômica e a Financeira. 

Não se pode dizer, também, da punição da multidão, enquanto pluralidade indeterminada de pessoas, por atos de decorrentes de comportamentos individuais. Ainda que não seja necessário descrever em minúcias a atuação de cada um dos participantes, é imprescindível a demonstração de um nexo subjetivo entre os intervenientes do tumulto (concurso de pessoas) e a descrição das condutas praticadas por cada qual dos agentes, sendo que a maior ou menor participação será objeto de instrução criminal (BITENCOURT, 2011, Tratado de Direito Penal. v. I).

Superados os problemas sobre a identificação do agente e a individualização de seu comportamento - particularmente difícil no Brasil pelos precários/inexistentes sistemas de segurança em nossos estádios - o agente pode ser responsabilizado penalmente pelo crime de injúria qualificada, conforme o Código Penal, art. 140, § 3º, do Código Penal:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
[...]
§ 3º. Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.

O crime de injúria é delito de forma livre, ou seja, é um delito "cuja redação típica não exige um comportamento especial, previamente definido, para fins de sua caracterização" (Rogério GRECO. Curso de Direito Penal, v. 2, 2012, p. 120). Sendo assim, o delito de injúria pode ser praticado de qualquer maneira, por palavras, escritos ou ações, desde que se tal meio se mostre hábil para transmitir a mensagem injuriosa à vitima. Sendo assim, tanto o caso de Arouca - xingado de "macaco" - quanto o caso de Daniel Alves - provocado com uma banana - reúnem os elementos descritivos típicos da conduta criminosa de injúria.

Sendo patente que os atos praticados pelos torcedores - se é que podem ser qualificados como tais - possuem conotação de ofensa em razão da cor da pele, aplica-se a forma qualificada prevista no § 3º do art. 140 do Código Penal.

Destaca-se que "o art. 5º, XLII, da Constituição Federal preceitua que 'a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei'. O racismo e uma forma de pensamento que teoriza a respeito da existência de seres divididos em 'raças', em face de suas características somáticas, vem como conforme sua ascendência comum.  [...]. Da mesma forma que a Lei 7.716/89 estabelece várias figuras típicas de crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor, não se pode dizer, em nossa visão, que promova um rol exaustivo. Por isso, com o advento da Lei 9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão" (Guilherme de Souza NUCCI, Código penal comentado, 2009, p. 669).

Neste sentido, a resposta penal adequada para o absurdo das ofensas racistas, seja no futebol, seja noutro âmbito da vida social, é a responsabilidade penal pelo crime de injúria qualificada nos termos do art. 140, § 3º, do Código Penal, que constitui-se em crime imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão.

Para terminar. Uma banana para o racismo.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

STF: "Operação Lava-Jato" - Ex-diretor da Petrobrás alega que prisão foi decretada por juízo incompetente



Ex-diretor da Petrobras alega que prisão foi decretada por juízo incompetente

O engenheiro e ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa ajuizou uma Reclamação (RCL 17623) no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a competência do juízo que decretou sua prisão preventiva. Ele está preso em decorrência de investigação da Polícia Federal na chamada “Operação Lava-Jato”, deflagrada para apurar denúncias de lavagem de dinheiro e evasão de divisas e, no caso do ex-diretor da Petrobras, de indícios da prática do crime de corrupção passiva e envolvimento com o suposto “doleiro” Alberto Youssef, também investigado e igualmente preso.

Na reclamação, o engenheiro alega que as investigações da Polícia Federal teriam apontado a necessidade de investigação de outras pessoas, entre elas parlamentares, o que levaria à competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o caso, conforme previsto no artigo 102, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal.

Sustenta que o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) não poderia ter desmembrado o processo para que parte fosse processada no STF, em decorrência do foro por prerrogativa de função para parlamentares, e outra parte continuasse na Justiça Federal paranaense. 

“Se a regra é a unidade de processo e julgamento e a exceção o desmembramento do feito, não há dúvidas de que esse juízo de valor – quanto à incidência da exceção – somente pode ser feito pela autoridade competente. Do contrário, haverá clara e manifesta usurpação de competência originária do tribunal, que, no caso, é do Supremo Tribunal Federal”, afirma a reclamação.

No final do mês de março, a defesa do engenheiro impetrou no STF um pedido de Habeas Corpus (HC 121918) pedindo a concessão de liminar para suspender a decisão judicial que determinou a prisão preventiva do acusado. O decreto de prisão foi assinado por juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR). No dia 9 de abril, o ministro Teori Zavascki, relator do habeas corpus, julgou incabível o pedido formulado pela defesa do ex-diretor de abastecimento da Petrobras. 

O ministro Teori Zavascki inadmitiu o habeas corpus por supressão de instância, uma vez que o pedido formulado no STF questionava decisão monocrática (individual) do relator do caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou seguimento à impetração lá apresentada.

Na RCL 17623, o ex-diretor pede a concessão de liminar para suspender inquérito policial em curso e suspender os efeitos do decreto de prisão preventiva, a fim de determinar “imediata expedição de alvará de soltura em favor de Paulo Roberto Costa”. No mérito, pede que sejam anulados os atos decisórios até agora praticados e que os autos sejam remetidos ao STF.

A reclamação foi distribuída por prevenção ao ministro Teori Zavascki.

Mitos sobre assassinos em série





Autor: Unidade de Análise Comportamental - 2 (FBI)
Tradução: O Rabujo
 
O assassino serial não é um novo fenômeno, tampouco, unicamente americano. Desde tempos ancestrais, a atuação de assassinos seriais tem sido relatada ao redor do mundo. No Europa do século XIX, Dr. Richard von Krafft-Ebing conduziu a primeira pesquisa documental sobre criminosos sexuais violentos e os crimes que eles cometeram. Mais conhecido por seu manual de 1886 - Psychopathia Sexualis - Dr. Kraft-Ebing descreveu inúmeros estudos de casos de homicídios com conotação sexual, assassinatos seriais e outros casos de inclinação sexual.

O assassinato serial é um evento relativamente raro, sendo estimado corresponder a 1% do total de homicídios cometidos em um determinado ano. Porém, existe um interesse macabro neste tópico que excede seu âmbito e gera incontáveis artigos, livros e filmes. Esta audiência, produto do fascínio do público, começou no final dos anos 1880, depois de uma série de assassinatos não resolvidos que tiveram lugar Londres, na região de Whitechapel. Estes assassinatos foram cometidos por um indivíduo desconhecido que chamava a si mesmo de “Jack, o Estripador” e que mandava cartas para a polícia clamando a autoria dos crimes. 

Caro Chefe,
Fico a escutar que a polícia está prestes a me pegar, mas eles ainda não pegaram. Eu fico dando risadas enquanto eles se fazem de espertos e ficam a dizer que estão na pista correta. A piada sobre o Avental de Couro foi muito boa. Eu vou continuar atacando e rasgando as putas até ficar entediado. Muito bom trabalho foi a última delas. Eu não dei àquela senhora a chance de gritar. Como eles podem me pegar agora. Eu amo meu trabalho e quero começar de novo. Muito em breve terão notícias de mim e de meus joguinhos divertidos. Eu guardei um pouco de sangue em uma garrafa da última vez para poder escrever, mas a coisa ficou grudenta como cola e eu não consegui usar. Espero que tinta vermelha faça bem o serviço, há, há. No próximo trabalho que farei, eu vou arrancar as orelhas da senhora e mandar para os policiais, só por diversão. Mantenha esta carta com você até eu fazer mais alguma coisa, então pode liberar. Minha faca está tão boa e afiada que eu quero voltar a trabalhar o mais rápido possível assim que tiver a oportunidade. Boa sorte.
Sinceramente seu,
Jack, o Estripador. 

Estes assassinatos e o nom de guerre “Jack, o Estripador” se tornaram sinônimos de assassinatos seriais. Esse caso acabou por criar vários mitos sobre assassinatos seriais e os homicidas que os praticam. Nos anos 1970 e 1980, vários casos de homicídios como os do Assassino de Green River, Ted Bundy, e do BTK renovaram o interesse público sobre assassinatos em série. Esse fenômeno atingiu seu ápice com o lançamento de alguns filmes nos anos 1990, dentre eles, destacando O Silêncio dos Inocentes.

Neste sentido, muito do conhecimento popular sobre assassinos em série é derivado destas produções hollywoodianas. Porém, os roteiros são criados mais para satisfazer os interesses das audiências, do que para produção de um retrato acurado do assassino serial. Por focar nas atrocidades perpetradas contra as vítimas pelos enlouquecidos homicidas, o público resta cativado pelos criminosos e seus crimes. Isso somente contribui incrementar a confusão sobre a verdadeira dinâmica do assassinato em série.

Os profissionais das agências policiais são objeto da mesma desinformação desde diferentes fontes: o uso de informações anedóticas. Profissionais envolvidos em casos de assassinato em série, como investigadores, promotores e patologistas podem ter uma exposição limitada ao assassinato em série. A experiência destes pode estar baseada em uma única série de crimes, e os fatores, neste caso, são extrapolados para outros casos.  Como resultado, certos estereótipos e falsas concepções sobre a natureza do assassinato em série e as características dos homicidas seriais encontram terreno fértil.

Uma grande tendência desta formação de falácias sobre os assassinos em séries é produto dos consultores da grande mídia. Recebendo credibilidade da imprensa, estas autoproclamadas autoridades professam possuir certa expertise sobre o tema. Eles aparecem com frequência na televisão e nos jornais impressos e especulam sobre os motivos dos crimes e as características do possível criminoso, geralmente sem qualquer lastro nas evidências colhidas nas investigações. Infelizmente, comentários inapropriados podem perpetuar falsas concepções sobre tais crimes seriais e, inclusive, comprometer os esforços investigativos da polícia.

A relativa raridade os assassinatos em série, combinada com as informações imprecisas e anedotárias e os retratos ficcionais dos homicidas em série resultaram nos seguintes mitos e falsas concepções sobre assassinos seriais: 

1) Mito: Assassinos em série são todos indivíduos disfuncionais. 

A maioria dos assassinos em série não é formada por pessoas desajustadas socialmente ou reclusos que vivem sozinhos. Eles não são monstros e podem não aparentar nenhuma estranheza. Muitos assassinos escondem-se a plena vista e estão integrados em suas comunidades. Assassinos seriais, com frequência, possuem famílias e lares, estão empregados, e aparentam serem membros normais da comunidade. Uma vez que muitos homicidas seriais conseguirem se misturar em sociedade sem demasiado esforço, não raro passam despercebidos pelo público e pelas autoridades policiais. 

2. Mito: Assassinos em série são todos homens brancos. 

Ao contrário da crença popular, assassinos em série estão espalhados por todos os grupos étnicos. Existem assassinos em série brancos, afroamericanos, hispânicos e asiáticos. A diversificação racial dos assassinos em série é um espelho da composição social da população norte-americana. 

3. Mito: Os assassinos em série possuem somente motivações sexuais. 

Não todos os assassinos em série possuem motivação sexual. Existem muitas outras motivações para assassinos seriais incluindo ódio, emoção, ganho financeiro e busca por atenção. 

4. Mito: Todos os assassinos em série operam viajando ou em diversos estados.

A maioria dos assassinos em série possuem áreas geográficas de operação bastante definidas. Eles conduzem suas matanças dentro das suas áreas de conforto e usualmente definem um ponto de ancoragem (p.e., local de residência, de trabalho ou morada de um parente). Assassinos seriais irão, algumas vezes, desenvolver suas atividades para além de sua área de conforto, isso quando a sua confiança aumenta em decorrência da obtenção de experiência e da bem sucedida evitação das autoridades. Pouquíssimos assassinos desenvolvem suas atividades para além dos limites estaduais.

Os pouco assassinos em série que desenvolvem crimes interestaduais são agrupados em algumas categorias: (a) Indivíduos itinerantes; (b) moradores de rua viajantes; (c) pessoas com trabalhos que demandam constantes viagens, como motoristas de caminhão e militares.

A diferença entre estes tipos de criminosos e outros assassinos em série é, justamente, o estilo de vida viajante, que acaba por prove-lo com muitas zonas de conforto no qual desenvolve suas operações. 

5. Mito: Assassinos em série não conseguem parar de matar.

É ampla a crença de que uma vez que assassinos em série começam a matar, eles não conseguem parar. Existem, entretanto, alguns assassinos em série que pararam de matar antes mesmo de serem pegos. Nestes casos, ocorrem algumas circunstâncias na vida de tais criminosos que os impedem de continuar na caça de novas vítimas. Isso inclui um possível incremento de atividades familiares, casos de substituição sexual, entre outras situações. 

6. Mito: Todos os assassinos em série são insanos ou gênios criminosos.

Outro mito que existe é que assassinos em série ou são pessoas com problemas mentais ou são extremamente astutas e inteligentes.

Como grupo, os assassinos em série possuem uma enorme variedade de desordens de personalidade, incluindo a psicopatia, distúrbio de personalidade antissocial, entre outras. A maioria, entretanto, não pode ser categorizada como insana segundo padrões judiciais.

A mídia criou um grande número de personagens ficcionais que são assassinos em séries e "gênios", que sempre estão um passo à frente das forças policiais. Entretanto, assim como a população geral, a inteligência da maioria destes assassinos é mediana ou ligeiramente superior.

7. Mito: Assassinos em série querem ser pegos

Criminosos que cometem crimes pela primeira vez são inexperientes. Eles ganham experiência e confiança a cada novo crime, e eventualmente deixam-se levar por alguns erros e problemas.

Enquanto a maioria dos assassinos em série planeja seus crimes com mais zelo do que outros criminosos, a curva de aprendizagem ainda é muito escorregadia. Eles precisam selecionar, aproximar-se, controlar e dispor das vítimas. A logística envolvida na prática de um crime e na disposição do cadáver pode ser extremamente complexa, especialmente quando existem várias localidades envolvidas.

Conforme os assassinos em série continuam suas atividades sem serem capturados, eles, usualmente, sentem-se confiantes na crença de que não serão identificados. Conforme a série criminosa continua, os assassinos começam a tomar atalhos quando da prática dos crimes. Isso, muitas vezes, implica que os assassinos se arriscam mais, permitindo sua identificação pelas forças policiais. Não é, portanto, que os assassinos em série querem ser pegos; eles acreditam que não podem ser pegos.

FONTE: Serial Murder: Multi-disciplinary perspectives for investigators. Unidade de Análise Comportamental (FBI). Páginas 2- 6.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

STF: O plenário da Excelsa Corte julga improcedente ação penal contra Collor

 STF julga improcedente ação penal contra ex-presidente Fernando Collor
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente, na sessão desta quinta-feira (24), a Ação Penal (AP) 465, proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-presidente da República e atual senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), pela suposta prática dos crimes de falsidade ideológica, corrupção passiva e peculato, previstos nos artigos 299, 312 e 317 do Código Penal, respectivamente.
A ação foi relatada pela ministra Cármen Lúcia, tendo como revisor o ministro Dias Toffoli. O ex-presidente era acusado de, entre 1991 e 1992, participar de esquema de direcionamento de licitações para beneficiar determinadas empresas de publicidade em troca de benefícios pessoais e para terceiros. Para tanto, ele se teria valido de um “testa de ferro” de nome Oswaldo Mero Salles (já falecido), tendo se beneficiado do esquema na forma de pagamento de pensão alimentícia a um filho nascido de relação extraconjugal. O esquema teria envolvido, também, a emissão de cheques em nomes de “fantasmas” e do uso de “laranjas”.
Ao defender a condenação, a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, sustentou que a análise dos autos levava à constatação de que o então presidente tinha pleno conhecimento dos fatos criminosos que ocorriam a sua volta, devendo aplicar-se ao caso a teoria do domínio do fato. A defesa, por sua vez, alegou inépcia da denúncia, cerceamento da defesa e ausência de provas de materialidade e autoria. Além disso, segundo a defesa, os contratos de publicidade sequer passavam pelo presidente da República, mas sim por uma comissão do Palácio do Planalto para examinar os contratos firmados e, segundo sustentou, nenhum membro dessa comissão foi alvo de qualquer denúncia de fraude.
Votos
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia rejeitou a tese da Procuradoria Geral da República de que se aplicaria ao caso a teoria do domínio do fato, pois não existem provas concretas de que o então presidente tivesse conhecimento dos contratos de publicidade. Nesse particular, ela se reportou à afirmação da própria representante da PGR no sentido de que o servidor Oswaldo Salles não tinha relação próxima com o ex-presidente para agir em seu nome.
A ministra também disse que a doutrina consolidada do STF não admite que uma condenação se dê unicamente por depoimentos prestados no inquérito policial. Isso porque, segundo a relatora, testemunhas ou até corréus que, em depoimento no inquérito policial, confirmaram o envolvimento do então presidente no esquema de corrupção, não o confirmaram em juízo.
Por outro lado, ainda conforme a relatora, corréus ou informantes não podem ser admitidos como prova única para uma condenação, uma vez que não prestam juramento de dizer a verdade. Nesse sentido, a ministra citou diversos precedentes, como os Habeas Corpus (HCs) 90708 e 81618.
Absolvição
A ministra Cármen Lúcia lembrou que Fernando Collor já foi objeto de 14 inquéritos no STF, oito petições criminais, quatro ações penais e mais de duas dúzias de HCs. Chamou atenção especial para a AP 307 e os Inquéritos 1030 e 1207, envolvendo crimes contra a administração pública, e disse que, em todos eles, o ex-presidente foi absolvido por falta de provas.
Do mesmo vício padeceu, segundo ela, o processo hoje julgado. “No presente caso, no exame que fiz, não consegui encontrar elementos, quer de autoria, quer de materialidade dos fatos imputados”, observou. Em razão disso, julgou improcedente a ação, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal – CPP (“não existir prova suficiente para a condenação).
Resultado
A maioria dos ministros acompanhou o voto da relatora, absolvendo o ex-presidente dos três crimes a ele imputados. Ficaram vencidos, em parte, o ministro Ricardo Lewandowski, que o absolvia com fundamento no artigo 386, inciso V, do CPP (“não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal”) e os ministros Teori Zavascki, Rosa Weber e Joaquim Barbosa (presidente), que votaram pela absolvição quanto ao crime de peculato, mas reconheceram a prescrição da pretensão punitiva em relação aos delitos de falsidade ideológica e corrupção passiva.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Matança de policiais no Brasil: Por quem os sinos não dobram


Sobre as Forças de Segurança Pública, não poucas críticas podem ser feitas. Denúncias de brutalidade e corrupção são frequentes; formação deficiente dos policiais para enfrentar os desafios da nova criminalidade; falta de equipamentos; ausência de investimentos na adoção de métodos científicos para solução de crimes; problemas relacionados com a integração de bancos de dados; entre outros. De pronto, já se aceita como verdadeira a proposição de que as instituições policiais estão longe da perfeição, mas o que se abordará neste texto é uma visão comumente ignorada - salvo por honrosas exceções, entre eles, Felipe Moura Brasil - sobre os servidores públicos que compõem nossas forças policiais. A ênfase desta postagem não está na violência policial, mas na violência contra os policiais.

1. Policiais como um grupo vulnerável.

Os conceitos de minorias e de grupos vulneráveis não estão pacificados na literatura sobre direitos humanos, entretanto, podemos eleger alguns referenciais teóricos para a problematização da questão.

Segundo o art. 27 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966): "Nos Estado em que haja minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não podem ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua". Neste sentido, MINORIA pode ser conceituada desde alguns elementos básicos: (a) grupo numericamente minoritário; (b) identidade do grupo baseada em elementos étnicos, religiosos e linguísticos; (c) solidariedade interna entre os membros do grupo; e (d) posição de não dominância e vulnerabilidade.

Desde tal conceito de minorias, no Brasil, poderiam ser classificados como tais, a título de exemplo: (a) os negros, considerados, numericamente minoritários, desde que separados daqueles que se declaram pardos; (b) os indígenas; (c) os ciganos ou romani; entre outros. 

Por outro lado, muitos outros grupos de pessoas especialmente vulneráveis não poderiam ser integrados neste conjunto. Exemplifica-se: (a) as mulheres, ainda que particularmente expostas à violência de gênero, não se enquadram no conceito, uma vez que não são numericamente minoritárias, pelo contrário, perfazem a maioria da população brasileira; (b) pessoas que devido sua orientação sexual - comunidade LGBTT - são vítimas de sistemática discriminação, porém, não se ajustam ao conceito de minoria porque a identidade do grupo é apoiada em outros elementos que não étnicos, religiosos ou linguísticos; (c) crianças e adolescentes, ainda que recorrentes vítimas de maus-tratos e violência, não possuem entre si um fator de identidade alicerçado em etnia, religião ou língua; e (d) a população de rua exposta a indiferença e brutalização, no mesmo sentido.

Para caracterizar aqueles conjuntos humanos de pessoas especialmente expostas à violência que não se enquadram no conceito de minorias, lançou-se mão de uma nova e mais adequada terminologia, a saber, a de GRUPO VULNERÁVEL. Segundo a cartilha SENASP/MJ: "grupo vulnerável é um conjunto de pessoas que por questões ligadas a gênero, idade, condição social, deficiência e orientação sexual, tornam-se mais suscetíveis à violação de seus direitos". O dicionário de direitos humanos da Escola de Superior do Ministério Público da União, conceitua grupos vulneráveis como aqueles "que sofrem tanto materialmente como social e psicologicamente os efeitos da exclusão, seja por motivos religiosos, de saúde, opção sexual, etnia, cor da pele, por incapacidade física ou mental, gênero, dentre outras". 

Nestes termos, aqueles conjuntos humanos excluídos do conceito de minorias (mulheres, comunidade LGBTT, crianças, adolescentes, idosos, população de rua) podem ser adequadamente inseridos no paradigma de grupos vulneráveis.

Superada esta fase de esclarecimento terminológico, pode-se, agora, atacar uma questão que possivelmente causará estranheza em muitos: Os policiais podem ser considerados como um grupo vulnerável? Considerando os elementos conceituais expostos acima, a resposta é SIM. Isso porque se constituem num conjunto humano identificado por uma particular condição social (ocupação profissional) e, em razão dela, estão especialmente expostos - material, social e psicologicamente - à violação de seus direitos.

Já se podem ouvir os gritos metafóricos de indignação de alguns.

Alguém poderá dizer que os policiais não merecem ser compreendidos como grupo vulnerável por serem essencialmente violentos. Tal objeção não se sustenta. É de se afirmar que em razão do monopólio estatal da violência - uma das marcas do Estado de Direito - é absolutamente indispensável considerar que as forças policiais devem lançar mão do uso da força necessária, desde que nos estritos limites do indispensável para o cumprimento de seu dever legal.

É certo que não são poucas as denúncias de abuso de autoridade e violência policial, mas não é possível, desde tais números, extrapolar tal constatação para concluir que todos ou a maioria dos policiais sejam brutos e/ou violentos. 

Destaca-se que tomar casos particulares, ainda que numerosos, para criminalizar todo um grupo social é, nada mais, nada menos, do que um abominável preconceito. Esta hedionda prática de reprovação coletiva pode bem ser verificada, por exemplo, na injustificável e criminosa discriminação do povo cigano, para citar um exemplo evidente. Sendo assim, podemos afirmar que todos os policiais que praticam crimes devem ser punidos, mas os pecados praticados por uma parcela minoritária do grupo não podem ser utilizados para a criminalização de todos os membros. Tal reprovação coletiva do grupo por pecados de seus membros isoladamente considerados já é, em si, uma forma de violência psicológica a que usualmente os policiais são submetidos.

Outros dirão que os policiais não merecem ser considerados como vitimas por serem essencialmente corruptos. Além das objeções já formuladas no parágrafo anterior (reprovação coletiva e preconceituosa do grupo por atos individuais de seus membros) soma-se o fato que não existe nenhuma evidência científica de que os policiais sejam mais ou menos corruptos do que a média da honesta população brasileira.

Dirão que o porte de armas por policiais é um argumento bastante para que os mesmos sejam afastados da ideia de vulnerabilidade. Outra falácia. Os membros das forças policiais estão legalmente autorizados a utilizar armas para o exercício de seu dever de zelar pela segurança pública e para se proteger dos muitos riscos inerentes à sua função. Evidentemente, o porte e o uso ilegal devem ser severamente punidos, responsabilizando - como já pontuado - o infrator e não o grupo. Ademais, a utilização de armas de fogo e brancas por sem-terras e indígenas, em não raras situações, nunca foi apontado como óbice para afastar a condição de vulnerabilidade que usualmente é reconhecida em tais grupos.

Portanto, refutadas as precedentes objeções, pode-se afirmar que os policiais podem ser compreendidos como grupo vulnerável, uma vez que sua ocupação profissional (condição social) os deixam expostos a toda sorte de riscos inerentes à atividade e especialmente vulneráveis a prática de atos de violência, como se demonstrará, com mais propriedade, quando analisadas as taxas de homicídios que lhe são próprias.

2. A indiferença social quanto a violência contra policiais

Não se pode considerar como outra coisa, senão absurdo, sustentar que uma determinada pessoa mereça sofrer um ato de violência por, simplesmente, pertencer a um determinado grupo social.

A recente pesquisa do IPEA sobre a violência contra a mulher causou gigantesca indignação quando expôs, em particular, o resultado estatístico de uma questão. "Mulheres  que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Segundo a pesquisa, retificada em razão de erro grosseiro, 26% (vinte e seis por cento) da população brasileira concordariam com tal proposição. Por certo, mesmo salientando os gigantescos problemas metodológicos da pesquisa, é destituída de sentido e racionalidade qualquer justificação de um ato de injusta violência contra a mulher. Da mesma forma, é irracional a defesa de qualquer ato de injusta violência contra qualquer pessoa em razão de qualquer qualidade pessoal (idade, etnia, cor da pele, religião, procedência nacional ou regional, p.e.) que lhe seja própria. Ninguém merece ser vitimado pelo que é.

O busílis reside no fato que a justificada indignação social que é, usualmente, reservada quando uma mulher é atacada em decorrência de seu gênero, quando um negro é atacado em razão da cor da sua pele, quando um indígena é atacado por sua etnia ou quando um morador de rua é atacado por sua condição social, é, por outro lado, absolutamente negada quando um policial é morto por ser policial.

Aliás, em não poucos casos, alguns defendem e justificam a violência contra policiais como uma forma de "legítima defesa social contra a violência simbólica do Estado". Evidente que quando alguns policiais fazem uso excessivo de força, a vítima de tal abuso está autorizada a utilizar violência nos limites da legítima defesa. O grande problema é que, mesmo quando as forças policiais atuam nos estritos limites da legalidade, a violência contra tais servidores públicos é completamente ignorada, para não dizer festejada. 

Para exemplificar tal proposição pode ser oferecido o caso de romantização da violência praticada pelos adeptos do black bloc. Em fevereiro de 2014, quando um cinegrafista foi morto por um artefato explosivo lançado por "manifestantes", alguns ainda tentaram defender o indefensável pontuando que o explosivo não tinha como alvo o cinegrafista, mas sim, os policiais. Como se os policiais merecessem, pelo fato de serem policiais, serem vitimados por atos de brutalidade e até, eventualmente, mortos. 

Quando manifestantes ligados ao MST tentaram invadir o STF em 12 de fevereiro de 2014, um confronto se sucedeu entre estes e policiais militares. O resultado: 33 feridos, sendo 30 policiais, sendo que destes, 8 precisaram ser encaminhados para o hospital. Nenhuma indignação social com o espancamento dos policiais, pelo contrário. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, em solidariedade, recebeu os manifestantes. 

Destaca-se, neste ponto, uma grande preocupação: a "romantização" e "justificação pelos fins" da violência é tão intensa que qualquer inconformismo, justificado ou não, vira pretexto para baderna generalizada, vandalismo, depredação, queima de ônibus e outros graves atos de violência.

3. O extermínio praticado contra nossos policiais.

Existe, pois, uma completa indiferença - nalguns casos até um sádico deleite - quando policiais são vitimados pela violência. Tal afirmação pode ser demonstrada pela análise dos números de homicídios praticados contra agentes da lei. Vejamos as taxas de homicídio da população geral e da população de policiais em números de homicídio por grupo de 100 mil habitantes por ano:

FONTE: Fórum brasileiro de segurança pública. Anuário brasileiro de segurança pública (2013)

Para uma compreensão adequada de tais números, algumas observações preliminares: (a) A OMS considera taxas de homicídio acima de 10 por grupo de 100 mil habitantes por ano como sintomas de violência epidêmica; e (b) o Brasil possui elevadíssimos índices de violência, especialmente considerando que as taxas de homicídios são 143% superiores à marca da já absurda violência epidêmica.

A análise das taxas de homicídios de policiais no Brasil não deixa dúvidas que, ultrapassado o limite da violência epidêmica, estamos alcançado num patamar no qual o número de homicídios de policiais bem poderia ser classificado como extermínio dos agentes da lei. A possibilidade de um policial brasileiro ser vítima por um crime de homicídio é 196,70% superior do seria com qualquer outra pessoa. Ou seja, o risco de ser morto, sendo policial, é quase três vezes superior do que sendo outro não integrante das forças policiais.

Alguém poderia afirmar que são ossos do ofício. Mas notem: os casos de homicídio de policiais são maiores quando eles estão fora de serviço, o que indica uma vitimização absurda para além dos riscos inerentes de sua ocupação, possivelmente relacionados a diversas hipóteses, entre elas se destacando casos de execução. Boa memória remete aos atentados e assassinatos de policiais praticados pelo PCC.

Vamos, agora, comparar a taxa de homicídios de policiais contra outras taxas que vitimizam grupos considerados como vulneráveis: mulheres e negros.

Considerando que, com razão, a violência de gênero é um fenômeno extremamente cruel e preocupante no Brasil, a sociedade e nossos representantes no Congresso tomaram diversas medidas para diminuir a vulnerabilidade feminina aos brutais atos de violência contra elas cometidos. São exemplos disso a Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a movimentação pela criação do crime de feminicídio (homicídio qualificado por ódio ao gênero feminino). Qual a taxa de homicídios de mulheres no Brasil? Segundo dados do SIM/SVS/MS, a taxa de homicídios de mulheres por grupo de 100 mil pessoas no ano de 2010 é de 4,4. À titulo de comparação, a taxa de policiais é 1538% superior à taxa de homicídios contra mulheres.

A grande e cruenta taxa de homicídios que acomete a população negra brasileira é um completo absurdo e, com certeza, razão de profunda vergonha para um país que se dá como comprometido com a igualdade de todos perante a lei. 

Considerando negros e pardos, a taxa de homicídios (2010) desta população alcança vergonhosos 35,9 por grupo de 100 mil habitantes. No mesmo ano, a taxa de homicídios da população geral foi de 20,1 e da população branca 15,0, o que deixa manifesto um gravíssimo problema de vitimização por fatores raciais. 

Porém, sem querer diminuir a gravidade da vitimização da população negra e parda, se a cor da pele é um fator de vitimização, o uso da farda é ainda pior. Para uma ideia mais acurada, a taxa de homicídios de policiais é o dobro da população negra e parda. Mais precisamente, a chance de ser morto sendo policial é 100,83% superior à chance de ser morto sendo negro ou pardo.

Desde tais índices de vitimização dos policiais, é um absurdo não considerá-los como um grupo especialmente vulnerável. Ser policial, muito provavelmente, é o maior fator de risco quando consideradas as taxas de homicídio. Entretanto, ainda assim, nenhuma indignação social e nula simpatia dos segmentos que se dedicam a defesa dos direitos humanos.

Os dedicados servidores públicos que compõem as forças policiais brasileiras estão no limbo, no lugar-nenhum, entre a indiferença rancorosa da população e a mira dos criminosos.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O violinista e o aborto: A falácia argumentativa de Hélio Schwartsman


O aborto é, possivelmente, um dos temas mais controversos que uma pessoa pode pretender tratar. Muito de seu potencial explosivo e polarizador é decorrente de tratar-se, em suma, de uma discussão sobre o início e o valor da vida humana, temáticas centrais para a Ética e para o Direito. Sobre tal polêmico assunto debruça-se o colunista da Folha de São Paulo Hélio Schwartsman em seu texto "aborto, eleição e violinistas" apresentado, em defesa do aborto, o não menos polêmico argumento do violinista de Thomson. Segue a reprodução de um trecho do texto:

Não é, porém, da inconsistência ideológica dos partidos que eu queria falar hoje, mas sim do aborto.

Uma argumentação provocante em sua defesa é o experimento mental proposto pela filósofa Judith Jarvis Thomson: Uma bela manhã você acorda e constata que foi cirurgicamente ligado a um famoso violinista. É que ele sofre de uma doença fatal dos rins e você é a única pessoa do planeta com tipo sanguíneo compatível com o dele. Por isso, a Sociedade dos Amantes da Música o sequestrou e realizou o procedimento que coloca os seus rins para filtrar o sangue de ambos. A boa notícia é que, após nove meses, o virtuose terá condições de viver por conta própria e vocês serão separados.

O ponto de Thomson é que você não tem nenhuma obrigação moral de manter-se ligado ao violinista e, assim, garantir que ele viva. Fazê-lo é até meritório, um gesto de abnegação, mas de modo algum um dever.

O interessante no argumento da filósofa é que o feto é reconhecido como um ser independente e titular de direitos plenos, como gostam os adversários do aborto. Mas ele mostra que, ainda assim, é possível construir um bom caso em favor da autonomia da mulher.

O que o colunista entende como um sólido argumento, eu, por outro, reconheço como um exemplo de uso falacioso da analogia. O que se pretende, a seguir, não é uma exaustiva repetição de argumentos contrários ao aborto, mas somente a demonstração do embuste argumentativo que é o caso do violinista de Thomson.

 1. Da impropriedade da analogia.

A analogia é um argumento baseado em comparação. Trata-se duma inferência que afirma que um determinado caso particular possui significativas semelhanças com outro caso particular, de modo que o tratamento reservado ao primeiro deve, em razão de relevante semelhança, ser dispensado ao segundo.

Uma condição básica, portanto, para que a analogia seja utilizada de forma adequada, é que os casos particulares, apesar de distintos em alguns aspectos, sejam semelhantes em uma qualidade essencial.

Nesse sentido, a analogia da situação do violinista moribundo e com a do feto gestado é falaciosa. A razão é bastante simples, conforme explicaremos.

Um número considerável de pessoas concordará que não existe obrigação moral de manter-se ligado ao violinista em razão de um elemento essencial do "experimento mental" proposto por Judith J. Thomson: A brutal violência - sequestro e lesões corporais gravíssimas - a que foi submetida a pessoa que foi cirurgicamente vinculada ao músico.

É justamente a concordância com o princípio que nenhuma obrigação jurídica ou moral nascerá para a vítima em decorrência da injusta violência contra ela praticada. É justamente a violência brutal e injusta que se constitui no cerne da questão.

Reconhecendo que é a violência injusta um elemento essencial do caso do violinista, uma comparação mais adequada se daria entre este caso e uma situação de gravidez decorrente da prática de estupro.

Tanto em um como outro caso, seria injusto exigir que vítima seja obrigada a um determinado comportamento (continuar com a gravidez) em decorrência de uma injusta brutalização contra ela praticada (estupro). Ora, aqui está presente uma analogia adequada e o fundamento do aborto sentimental nos termos do art. 128, II do Código Penal.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
[...]
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Vejam, pois, que casos diferentes (violinista e gestação decorrente de estupro), porém essencialmente semelhantes em uma qualidade significativa - ambos são produto de uma injusta violência - são tratados de forma semelhante. Aqui está uma utilização adequada da analogia.

Por certo, muitos daqueles que concordam com o rompimento do vínculo cirúrgico com o violinista e com direito de escolha da gestante em caso de gravidez decorrente de estupro (casos análogos em razão da violência) podem, sem qualquer medo de incorrer em contradição, discordar do direito de abortar um feto quando a gestação é produto de uma conduta negligente da gestante ou ainda quando esta, mesmo com vários métodos anticoncepcionais a sua disposição, prefere o aborto para realização de controle de natalidade.

A utilização do caso do violinista na defesa do direito ao aborto em toda e qualquer situação gestação é tão inapropriado e absurdo como sustentar que, uma vez reconhecido o direito de escolher o aborto em casos de gestação decorrente de estupro, ocorreria a legalização de toda e qualquer hipótese de interrupção da gravidez a critério da gestante. É o mesmo que afirmar que o reconhecimento de uma exceção invalida a regra geral.

Sendo assim, a comparação da situação do violinista com a de todo e qualquer gestado - excepcionado o caso de gestação decorrente de estupro - é uma utilização completamente falaciosa da analogia, propondo um raciocínio baseado num embuste que simula uma identidade inexistente.

2.  Negação do valor da própria gestação

A comparação ofertada por Hélio Schwartsman através do violinista de Thomson, desconsidera o caráter absolutamente ímpar da relação entre uma gestante e o gestado. Segundo Ronald DWORKIN (O domínio da vida, 2003, p. 77):

"Ao ignorar a natureza única da relação entre a mulher grávida e o feto, negligenciar a perspectiva da mãe e comparar sua situação à do proprietário de um imóvel ou à de uma mulher ligada a um violinista, a afirmação de privacidade obscurece, em particular, o especial papel criativo da mulher durante a gravidez. Seu feto não está meramente 'dentro dela' como poderia estar um objeto inanimado, ou alguma coisa viva mas estranha que tivesse sido transplantada para seu corpo. É 'dela, e é dela mais do que qualquer outra pessoa', porque é, acima de tudo, sua criação e sua responsabilidade; está vivo porque ela fez com que se tornasse vivo. Ela já fez um intenso investimento físico e emocional nele, diferente do que qualquer outra pessoa possa ter feito, inclusive o pai; por causa dessas ligações físicas e emocionais, é tão errado dizer que o feto está separado dela quanto dizer que não está. Todos esses aspectos da experiência de uma mulher grávida - tudo que existe de especial, complexo, irônico e trágico sobre a gravidez e o aborto - são negligenciados pela explicação liberal de que a mulher têm direito à soberania sobre as decisões pessoais, ma explicação que se aplicaria com a mesma força ao direito que a mulher tem de escolher suas próprias roupas".

Conclusão

Como afirmado anteriormente, este breve texto não se presta a apresentar um rol exaustivo de argumentos contrários ao aborto, mas tão somente demonstrar o embuste que é o argumento segundo o caso do violinista de Thomson. Trata-se, pois, de uma utilização imprópria da analogia através do qual, falaciosamente, nega-se, inclusive, a qualidade sem par da relação entre gestante e gestado.

Concorda-se com Schwartzman quando se afirma que é possível apresentar bons argumentos em defesa do aborto, aliás, Dworkin, citado acima, apresenta vários deles em sua obra "O domínio da vida". Porém, é impossível concordar que o caso do violinista seja um deles. Não passa de uma falsa, ainda que astuciosa, analogia.