segunda-feira, 21 de abril de 2014

Projetos de lei pretendem a criação do Feminicídio: A ineficiência do Direito Penal simbólico para resolver problemas concretos


Dois projetos de lei, um da Câmara dos Deputados e outro do Senado Federal, pretendem elevar à condição de crime de homicídio qualificado o chamado feminicídio (ou femicídio).

Para análise de tais projetos de lei, primeiro observaremos as particularidades de cada um deles e depois passaremos aos comentários.

OS PROJETOS

Previsto em substitutivo de Gleisi Hoffmann (PT-PR) ao PLS 292/2013, o feminicídio seria descrito nos seguintes termos: "O assassinato de mulheres pela condição de serem mulheres é chamado de 'feminicídio' - sendo também utilizados os termos 'femicídio' ou 'assassinato relacionado ao gênero" - e se refere a um crime de ódio contra as mulheres, justificada socioculturalmente por uma história de dominação da mulher pelo homem e estimulada pela impunidade e indiferença da sociedade e do Estado".

Pelo substituto ao PLS n. 292/2013, o art. 121 (homicídio) do Decreto-Lei n. 2.848 (Código Penal), de 7 de dezembro de 1940,  passaria a vigorar, se aprovado, com a seguinte redação:

Art. 121. [...].
[...].
§ 7º. Denomina-se feminicídio à forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher quando há uma ou mais das seguintes circunstâncias:
I - relação íntima de afeto ou parentesco, por afinidade ou consanguinidade entre a vítima e o agressor no presente ou no passado;
II - prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima, antes ou após a morte;
III - mutilação ou desfiguração, antes ou após a morte:
Pena - reclusão de doze a trinta anos.

§ 8º A pena do feminicídio é aplicada sem prejuízo das sanções relativas aos demais crimes a ele conexos.

No caso do PL n. 6.622/2013, o Código Penal passaria a vigorar com o acréscimo do art. 121-A, com a seguinte redação:

Feminicídio
Art. 121-A. Matar alguém pela condição de ser mulher, com mutilação, desfiguração ou violência sexual, antes ou depois da morte, tendo ou não o agente relação de afeto ou parentesco com a vítima:
Pena - reclusão de doze a trinta anos

Modificando também o art. 1º da L. n. 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), que passaria a vigorar nos seguintes termos:

Art. 1º [...]:
I - homicídio (art. 121) quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente; homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V); e feminicídio (art. 121-A);
[...].

COMENTÁRIOS:

Na esteira daquela absurda pesquisa do IPEA que, entre outras impropriedades, concluía que o brasileiro odiava as mulheres e era conivente com o estupro, eis que oportunamente passam pelas Comissões parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado projetos de lei que podem ser dados como perfeitos exemplos da demagogia aplicada ao Direito Penal. 

Neste sentido, os projetos de lei que pretendem a criação de uma norma penal incriminadora de feminicídio, nos termos acima expostos, não passam da imprópria utilização da legislação criminal como uma forma de explorar o medo. Noutras palavras, utiliza-se do Direito Penal como mera ferramenta de propaganda política divorciada de qualquer impacto positivo para a segurança pública ou para a proteção de bens jurídicos. É o chamado Direito Penal simbólico. Nas palavras de José NABUCO FILHO: 

"O Direito Penal simbólico, geralmente, se manifesta mediante propostas que visam explorar o medo e a sensação de insegurança. A intenção do legislador não é a real proteção dos bens jurídicos violados com o crime, mas uma forma de adular o povo, dizendo o que ele quer ouvir, fazendo o que ele deseja que se faça, mesmo que isso não tenha qualquer reflexo na diminuição da criminalidade".

O Direito Penal simbólico, nestes termos, funciona como uma mera peça de propaganda, na qual se produz-se uma norma jurídica meramente decorativa, com pouquíssimo ou nenhum impacto na proteção dos bens jurídicos constitucionalmente tutelados. Segundo Rogério GRECO: 

"Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranquilizar a opinião pública, ou seja, um efeito simbólico, com o qual se desemboca em um Direito Penal de risco simbólico, ou seja, os riscos não se neutralizariam, mas ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda-se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se, dando lugar a um Direito Penal promocional, que acaba se convertendo em um mero difusor de ideologia".

É neste contexto, do Direito Penal simbólico, que se localizam estes projetos de lei. 

Por certo, alguns ainda não convencidos do caráter panfletário de tais projetos, poderiam argumentar que os elevados índices de violência contra a mulher justificariam a criação de uma norma penal de feminicídio. O problema é que o homicídio praticado contra mulher em razão de ódio de gênero já é um crime qualificado (motivo torpe) e hediondo (art. 1º, I, da L. n. 8.97/90).

No caso do PLS n. 292/2013 e considerando a forma de descrição típica da conduta de feminicídio, seria de se reconhecer que o tipo penal pressupõe que um dos elementos essenciais do delito estaria vinculado ao fato da vítima pertencer ao gênero feminino. Porém, uma análise mais atenta do disposto normativo do PLS 292/2013 permite também afirmar que não seria suficiente que a vítima seja uma mulher para que se vislumbre um hipotético caso de feminicídio. Seria indispensável que a conduta homicida possa considerada como uma "forma extrema de violência de gênero". Ou seja, não bastaria que o crime fosse praticado contra uma vítima do gênero feminino. Seria ainda indispensável demonstrar que uma eventual conduta homicida dirigida contra mulher foi praticada enquanto um crime de ódio ao gênero feminino.

Segundo o projeto, não seria o caso de um crime de feminicídio se um sócio (do gênero masculino) mata a outra sócia (do gênero feminino) em razão de ganância ou para tomar-lhe o negócio. Matar a própria mãe para obter a herança também não seria um caso de feminicídio. Não basta, portanto, matar uma mulher, é necessário que dentre as motivações do crime esteja a torpe ideia que consubstancia um ato de ódio de gênero feminino.

Em suma: Para a configuração do feminicídio, conforme o PLS n. 292/2013, Além da vítima ser mulher, seria exigido também, a indispensável demonstração que o crime teria sido praticado por ela ser uma mulher.

O mesmo é observado no PL n. 6.622/2013, uma vez que neste particular projeto de lei, o feminicídio somente estaria caracterizado quando de "matar alguém pela sua condição de mulher (...)".

Ora, se o feminicídio é, antes de qualquer outra coisa, um crime de ódio contra as pessoas do gênero feminino, pode-se bem afirmar que tal motivação é vil, abjeta e repugnante. Trata-se, pois, o crime de homicídio praticado por ódio de gênero de um delito praticado com motivação torpe. E o que é uma motivação torpe?

"Torpe é o motivo que atinge mais profundamente o sentimento ético-social da coletividade, é o motivo repugnante, abjeto, vil, indigno, que repugna à consciência média" (BITENCOURT, Tratado de Direito Penal. Parte Especial. V. 2. 2012).

O homicídio praticado por motivos de discriminação racial, de orientação sexual, social, de gênero, de procedência ou outro igualmente repugnante, por certo é um crime praticado com motivação torpe.

Nestes termos, reconhecendo a torpeza da motivação daquele que pratica o crime de homicídio orientado por ódio de gênero ou machismo, faz-se, sem sentido, a criação de um tipo penal específico para os crimes contra a mulher praticados em razão de discriminação de gênero, pois o crime praticado nestes termos já é qualificado (pena de doze à trinta anos) e hediondo (art. 1º, I, da L. n. 8.072/90). 

O absurdo de tais projetos resta ainda mais evidente quando se destaca que a pena para o feminicídio seria a mesma do homicídio qualificado por motivo torpe. Ou seja, pretende-se criar um crime que tornaria o homicídio de mulheres por ódio de gênero um crime qualificado e hediondo com pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos desconhecendo o fato que, na atual legislação, um crime praticado neste contexto já é qualificado e hediondo, merecendo uma pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Em suma: Pretende-se a alteração da legislação para que tudo continue na mesma. 

CONCLUSÃO

Os projetos de lei que propõem a criação da figura delituosa do feminicídio são completamente ineficientes do ponto de vista da proteção da vida da mulher vítima de violência de gênero. Tratam-se de meros instrumentos de panfletagem que são propagandeados como a solução para a violência de gênero, quando, na verdade, em nada alteram a legislação que atualmente é vigente.

Aliás, se nossos congressistas, verdadeiramente, preocupassem-se com a atual situação de calamidade da segurança pública, inclusive os alarmantes níveis de violência de gênero, dariam mais atenção à execução das leis existentes e menos à criação de outras que somente se prestam à propaganda. Neste país que somente 8% (oito porcento) dos homicídios são solucionados é um verdadeiro acinte a criação de uma norma jurídica inócua que nada contribui para a solução de um problema premente como é a violência contra a mulher. Porém, ainda assim, muitos ficarão satisfeitos se um de tais projetos lograr êxito. Por certo enganados e sem motivos, mas ainda assim satisfeitos.

Parafraseando aqueles enganados pela pesquisa do IPEA: Ninguém merece um Direito Penal meramente simbólico.

Um comentário:

  1. Na boa rabujo, se existe HOMIcídio, porque não haveria o MULÉcídio, digo femicídio?

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