quinta-feira, 1 de maio de 2014

Jean Wyllys e a legalização das drogas: Os absurdos no qual está baseado do deputado


No dia 30 de abril, o deputado Jean Wyllys deu publicidade ao texto "a maconha deve ser legalizada e os traficantes anistiados" que pode ser compreendido como o manifesto maconheiro pela legalização das drogas. 

Reconhece-se que o debate sobre a descriminalização das drogas é de interesse nacional e bons argumentos podem ser levantados por uma ou outra parte. Porém, o texto do deputado federal é eivado de falsas premissas, falácias argumentativas, conclusões absurdas e propostas insensatas.

Abaixo, seguem observações sobre tais incorreções e despropósitos. O texto do deputado federal está em vermelho, intercalado com os eventuais comentários.


MACONHA DEVE SER LEGALIZADA E OS TRAFICANTES ANISTIADOS
Legalizar a cannabis e acabar com a guerra às drogas não é somente uma questão de liberdades individuais. É também uma questão de segurança pública e de direitos humanos.
A guerra às drogas está dizimando a juventude mais pobre das periferias, que morre vítima das lutas de facções, da repressão ao tráfico, da violência policial e das milícias. Ou é encarcerada pelo comércio ilegal de drogas ou, em muitos casos, pelo uso delas.
Observação n. 1: A premissa do texto do deputado federal Jean Wyllys, ab initio, parte de uma proposição falaciosa. Dá a entender, equivocada ou astuciosamente, que a legalização da cannabis (maconha) teria o condão de por fim a guerra às drogas. Uma coisa não está relacionada a outra.
O erro de tal linha de argumentação reside no fato de que a maconha está longe de corresponder a uma parcela significativa dos faturamentos ilícitos derivados do tráfico de drogas, que se concentram, com acerto no crack e na cocaína. Isso implica reconhecer que o poder dos traficantes seria pouco afetado por tal medida. Disto decorre que a chamada "guerra às drogas" continuaria, mesmo com a legalização, salvo se o ilustre deputado esteja advogando a absurda legalização de todas as drogas, ditas leves ou não, indiscriminadamente. O que veremos adiante é o caso.

Neste sentido, cita-se a opinião do criminalista holandês Dirk Korf, da Universidade Amsterdã, sobre a experiência holandesa de legalização da maconha: "Hoje, a população está descontente com essas medidas liberais, pois elas criaram uma expectativa ingênua de que a legalização manteria os grupos criminosos longe dessas atividades".
Dependendo da cor e da classe social, a mesma quantidade de substância pode ser considerada para uso ou para tráfico, e a pessoa pode ir parar em presídios superlotados, que são verdadeiros infernos e escolas do crime. 
Observação n. 2: Fora dos casos de possíveis erros judiciais, que poderiam ser significativamente minorados com o fortalecimento das defensorias públicas e oferecimento de assistência jurídica de qualidade, a posse de pequenas quantidades de substância entorpecente favorece, em muito, a tese de "uso" em detrimento da de "tráfico".
Porém, cabe destacar, que a quantidade de substância entorpecente não é o único critério a ser utilizado para a qualificação do crime de tráfico de drogas ou da situação de usuário. O art. 27, § 2º, da L. n. 11.343/2006 é cristalino neste sentido: "Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes da pessoa". Isso decorre do fato que, vários traficantes, cientes que a quantidade é um dos critérios para a determinação da tese de consumo pessoal, trazem consigo somente pequenas quantidades.
De qualquer modo, observando-se o princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo, pode-se dar como improvável, salvo erro judicial, que um usuário na posse de pequenas quantidades de substância entorpecente seja condenado como traficante, seja qual for a cor de sua pele.
Tomando como base a "celebrada" legislação uruguaia que legalizou o consumo de maconha, dá-se como base para um "razoável" consumo mensal de cannabis a quantia de 40g. Isso equivale a um consumo médio de 1,3g por dia. Desde tais números, cumpre a referência um estudo da UFRJ deixa patente que a maioria das pessoas detidas em decorrência de tráfico de drogas foram capturadas na posse de quantidade muitas vezes superioras ao consumo diário de maconha (91%). Somente 1,1% dos detidos em decorrência da posse de maconha trazia consigo até 1g da substância. Notem, estes casos dizem respeito a pessoas detidas pelo porte de maconha e não se referindo ao número de pessoas condenadas que, provavelmente, é uma ainda menor, quanto mais diminuta a quantidade de substância entorpecente apreendida. Pode-se afirmar que é mais comum que um traficante seja dado como usuário por falta de provas suficientes, do que situação na qual usuário é considerado, erroneamente, traficante. 

Aponta-se, ainda, que muitos usuários lançam mão do tráfico para custear o vício. Nestes casos, serão considerados praticantes de condutas de tráfico de drogas nos termos do art. 33 da L. 11.343/2006, com um porém, merecem, segundo o § 3º do mesmo dispositivo, uma causa de diminuição de pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) desde que o agente seja primário, de bons antecedentes e não esteja vinculado a organizações ou associações criminosas.
Tudo isso, torna altamente improvável a tese de que exista um sistemático encarceramento de usuários como traficantes em razão da cor da pele ou de condição social.
Por isso, o projeto de lei 7270/2014, que protocolei na Câmara dos Deputados, faz muito mais do que legalizar a maconha: ele propõe uma série de mudanças radicais na política de drogas do Brasil.
A legalização tem sido o aspecto mais comentado do projeto, tanto por aqueles que são a favor quanto por aqueles que se opõem, mas a proposta vai além. Entre a lei e sua justificativa, são 60 páginas que recomendo ler a quem quiser criticá-lo. E neste artigo quero falar sobre um ponto do projeto em particular: a anistia.
Observação n. 3: O texto do projeto foi devidamente lido na íntegra, as críticas ao projeto - não são poucas - para além daquelas apontadas nesta postagem, estão elaboradas AQUI.
Números
Mas antes disso, como diz o mestre Eugênio Raul Zaffaroni (jurista argentino), "vamos ouvir a palavra dos mortos". De acordo com o Ministério da Saúde, o uso de drogas matou 40.692 pessoas entre 2006 e 2010. Desse total, 34.573 (84,9%), morreram em decorrência do abuso (não confundir com o uso) do álcool, e 4625 (11,3%), do tabaco.
Quer dizer: 96,2% das mortes diretamente relacionadas ao uso de drogas foram causadas por duas substâncias que, na atualidade, são lícitas. A droga cujo abuso mais mata, o álcool, não só é comercializada legalmente, como também tem propaganda na televisão — feita até por deputados!
E a maconha? No relatório, ela sequer é mencionada porque é raro alguém morrer por overdose de cannabis, que, no entanto, é ilegal. Vejam que contradição! Mas tem uma série de dados em que os números se invertem: quando falamos das mortes decorrentes do tráfico ilegal e da guerra às drogas. 
 Observação n. 4: Vejam que raciocínio desprovido de lógica. O deputado federal sustenta que observados os números de morte decorrentes do abuso de álcool e tabaco (drogas lícitas) constituem-se na esmagadora maioria das mortes associadas ao abuso de drogas pode-se concluir que as outras drogas são menos nocivas que as legalizadas. Tal linha de argumentação não se constitui noutra coisa senão uma falácia, conforme demonstraremos.

A falha argumentativa reside no fato de que a pequena prevalência de mortes em decorrência de outras drogas que não álcool ou tabaco não decorre da reduzida nocividade destas outras substâncias como crack, cocaína, heroína e maconha. O reduzido número absoluto de mortes decorrentes de tais substâncias, com acerto, decorre justamente do fato que são proibidas. Por serem proibidas - mesmo reconhecendo a relativa facilidade de obtê-las - e em decorrência da reprovação social de seu uso, a prevalência do consumo é absolutamente diminuta quando comparados aos consumidores habitais de substâncias alcoólicas e tabaco.

Estudos indicam uma prevalência do consumo de substâncias alcoólicas na população brasileira acima de 13 anos de 51% da população, algo em torno 80 milhões de brasileiros, conforme a pesquisa. Segundo dados do Observatório da Política Nacional de Controle do Tabaco, 14,8% dos brasileiros acima de 18 anos são fumantes. Portanto, algo em torno de 20 milhões de fumantes segundo dados de 2012. Segundo dados da UNIFESP, 7% dos brasileiros já experimentou maconha, sendo que deste total, 1,3 milhões podem ser considerados como dependentes, ou seja, pouco mais de 1% da população brasileira. Informações da subcomissão do Senado indicam que o percentual daqueles que já experimentaram crack era 0,7% em 2005, sendo notada uma evidente tendência de aumento.

Uma evidente legalização, por certo, implicaria no incremento do número de usuários, bem como, no aumento da frequência e da quantidade do consumo. Para se ter uma ideia do potencial fatal do consumo de outras drogas que o deputado faz parecer inofensivas quando comparadas ao tabaco e o álcool, tomemos o exemplo do crack.

Segundo dados de uma pesquisa sobre as causas de morte entre usuários de crack. "Os resultados mostraram que a maior incidência de mortalidade entre usuários de crack recaiu sobre as causas externas. Após cinco anos, 124 pacientes foram localizados, destes 17,6% haviam morrido, 13 por homicídios e quase um terço devido a infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), especialmente aqueles com antecedentes de uso de drogas injetáveis". Os mortos em decorrência de overdose correspondem a exatos 8,7% do total de óbitos. Mais precisamente, segundo a pesquisa, 1,6% dos usuários, depois 5 anos, morreram em decorrência, única e exclusivamente, de overdose.

Para extrapolar o potencial fatal do crack e compará-los com o tabaco. Faleceram, segundo dados ofertados por Jean Wyllys, 4.625 pessoas decorrentes ao abuso de tabaco em 5 anos (2006-2010), numa população de 8 milhões de tabagistas. Se os usuários de tabaco estivessem acometidos da mesma taxa de mortalidade - somente por overdose - dos usuários de crack, o número seria de 128.000 falecimentos. Se os usuários de substâncias etílicas estivessem acometidos das mesmas taxas de óbito por overdose que os usuários de crack, ao invés de 34.573 óbitos em cinco anos, teriam ocorrido nada menos do que 1.280.000 mortes. Não estão sendo levados em conta outros riscos associados ao consumo de tal substância. Ou seja, morrem menos pessoas em decorrência do uso de drogas ilícitas, não porque elas são mais seguras ou menos danosas, mas sim, porque, sendo proibidas, são significativamente menos consumidas.

Alguém poderia objetar, dizendo que não seria adequado criticar o projeto de legalização da maconha utilizando-se de exemplos de mortalidade referentes a uma droga consideravelmente mais perigosa como é o crack. Esta objeção não procede por um simples fato: Na justificativa está patente que a legalização da maconha é só um passo inicial na meta que é legalização de todas as drogas. Segundo Jean Wyllys, na justificativa de seu Projeto de Lei: "Como já dissemos, consideramos este projeto um primeiro passo de uma mudança mais profunda que deve continuar, já que somos favoráveis a regulação de todas as drogas, o que deverá chegar após um amplo processo de debate, conscientização e construção de um modelo alternativo ao atual, evidentemente fracassado". Desde a leitura do texto legal proposto no Projeto, é possível reconhecer diversos dispositivos normativos que, caso aprovados, legalizariam a produção doméstica de todo e qualquer tipo de drogas; permitiriam a anistia de todo traficante independentemente da substância entorpecente e tornariam a oferta gratuita de qualquer substância entorpecente a adultos maiores de dezoito anos. Ou seja, vende-se o projeto de lei como a legalização da maconha, porém constitui-se, de fato, num projeto de lei que descriminaliza algumas condutas associadas ao tráfico de todas as substâncias entorpecentes conhecidas, inclusive, o crack. E mais, abre espaço para uma posterior e completa descriminalização do tráfico de drogas, da maconha ao crack, da cocaína à merla.

O deputado federal ainda esquece-se de esclarecer algumas questões muito pertinentes relacionadas às mortes por abuso de álcool. Sobre overdose: "Pessoas que são viciadas em álcool - embora, se comparado com cocaína ou heroína, este apresente menor possibilidade de provocar overdose -, quando o consomem em doses elevadas podem sobre coma alcoólico e morrer se não forem tratadas a tempo. Este risco aumenta muito quando o consumo de bebida alcoólica é associado com outras drogas, principalmente tranquilizantes" (FONTE). O que Jean Wyllys, maliciosamente, omitiu é que o risco de mortes associadas ao abuso de substância etílica é muito incrementado pelo consumo associado com drogas ilícitas. Sendo assim, um número significativo das mortes decorrentes de álcool está indissociavelmente vinculada ao consumo de outras substâncias entorpecentes ilícitas, que se não utilizadas juntamente com as bebidas etílicas diminuiriam, também significativamente, as taxas de morte decorrentes do abuso de álcool.

Jean Wyllys afirma que a maconha não é mencionada na estatística em razão do fato que o risco de overdose decorrente do consumo de cannabis é diminuto. Aqui percebemos outra falácia. De fato, é absolutamente raro um caso de overdose por cannabis, entretanto, esquece-se, novamente, de informar, que o risco de overdose por tabaco é ainda menor. "A maconha oferece menor risco de overdose. Contudo, seu consumo excessivo pode provocar constantes distorções da percepção. Já o tabaco tem risco praticamente zero, considerando sua forma de absorção (fumado), mas a ingestão oral de um maço de cigarros poderia ser fatal" (FONTE). Para morrer de overdose de cigarros somente comendo um maço deles. Assim, as mortes associadas ao abuso de tabaco, em verdade, não são casos de overdose, mas sim, problemas relacionados ao consumo de médio e longo prazo (doenças pulmonares e câncer), mesmo problemas que o uso continuado de maconha provoca no usuário.

O deputado faz crer, com esta argumentação enganosa, que a maconha  é mais "saudável" do que o cigarro. Porém, notem os perigos do consumo de cannabis (maconha): O risco de infarto para cardiopatas é 5 vezes maior nos primeiros 60 minutos após o seu consumo. O consumo de maconha também pode desencadear arritmias cardíacas como a fibrilação atrial. A fumaça da maconha possui 4 vezes mais alcatrão e 50% mais substâncias cancerígenas que o cigarro, além de ser fumado sem filtro e ser muito mais tragado. O consumo de 3 cigarros de maconha por dia parece equivaler ao de 20 cigarros comuns. Pessoas que fumam mais de 3 cigarros de maconha por dia costumam apresentar problemas respiratórios semelhantes aos fumantes comuns, incluindo tosse, catarro e diminuição da capacidade de exercícios. o uso crônico de maconha esta relacionado a um maior risco de DPOC (enfisema pulmonar e bronquite). Em longo prazo seu uso está relacionado com a diminuição da resposta imune, redução dos níveis de testosterona, diminuição da motilidade dos espermatozoides e infertilidade, redução da libido, impotência, alterações do ciclo menstrual, ginecomastia, galactorréia, alteração da memória, aumento da incidência de periodontites, em pacientes de hepatite C está relacionado com um alto risco de desenvolvimento de cirrose e câncer de fígado, o uso crônico está associado com o desenvolvimento de doenças psiquiátricas como esquizofrenia e depressão. Em gestantes que fumam mais de 6 cigarros de maconha por semana, os filhos apresentam, a partir dos dois anos, menor aptidão verbal e menor capacidade de memória que outras crianças, assim como maior risco de hiperatividade e depressão (FONTE). 

Segundo tais dados, um consumo mensal de 40g de maconha equivale a fumar 266 cigarros de tabaco por mês. Do uso habitual de maconha decorrem, em regra, os mesmos perigos do uso do cigarro além de problemas associados ao desenvolvimento de doenças psiquiátricas.

Em suma: os dados apresentados pelo deputado federal, antes de demonstrar a falência do modelo repressivo da venda de substância entorpecentes, demonstram que pouquíssimas pessoas, em números absolutos, morreram devido ao abuso de drogas ilícitas, não porque elas são mais seguras, pelo contrário, são mais perigosas. Morrem menos pessoas porque seu consumo é significativamente menor, fato este decorrente da proibição.

A proibição mata muito mais do que o uso de qualquer droga. E como a maconha, segundo a ONU, é a droga consumida por 80% dos usuários de drogas ilícitas, podemos dizer que a proibição da maconha é o que mais mata.
Observação n. 5: Os números trabalhados na observação anterior desmentem a afirmação que a proibição mata mais do que o uso de qualquer droga. Por certo, no atual modelo repressivo, morrem mais pessoas em decorrência da violência do que em razão do abuso de entorpecentes ilícitos. Entretanto, no caso de uma hipotética legalização, é razoável supor que o número de consumidores e a quantidade consumida por usuário aumentará significativamente.

Exemplifica-se: Se o número de usuários de maconha alcançar a mesma marca do número de usuários de tabaco, o registro de morte em decorrência do abuso de cannabis tende a se aproximar do número de falecimentos em decorrência do uso de tabaco. Logrando êxito a política de Jean Wyllys em legalizar todos os entorpecentes, é muito provável que o número de óbitos em decorrência de abuso de tais substâncias cresça exponencialmente, especialmente, no caso do crack e da merla. Isso sem contar os problemas incapacitantes decorrentes do uso continuado e as implicações psiquiátricas.

Outra besteira afirmada pelo deputado reside na afirmação de que, sendo a maconha a droga mais consumida pelos usuários de entorpecentes, é a proibição da cannabis aquela que mais mata. Na verdade, considerando a violência decorrente dos conflitos entre traficantes, a guerra do tráfico possui seu centro gravitacional na conquista de mercados para aquelas substâncias que corresponde a maior parte do faturamento dos criminosos. Nestes termos, ainda que a grande maioria dos usuários consuma maconha, a maior parte do faturamento do tráfico decorre da mercancia de crack e cocaína. Em suma: mesmo legalizando a maconha, o poder econômico do tráfico seria pouco abalado, uma vez que suas divisas são provenientes, na maioria esmagadora dos casos, de outras drogas que não a cannabis.

Jean Wyllys também falha em informar que considerando que, sendo a maconha regulamentada, ela seria produzida somente por usuários domésticos e grupos de autocultivadores. Somente a produção de maconha orgânica seria autorizada, vedada variantes transgênicas. Ademais, sobre a comercialização recairiam impostos equiparados aos praticados com o cigarro, o que encareceria, demasiado, a maconha produzida e vendida legalmente. Este preço elevado, muito provavelmente, permitiria a continuação do tráfico da cannabis, a exemplo do que acontece com gigantescos volumes de cigarro de tabaco que são anualmente contrabandeados para o Brasil. Nestes termos, a legalização da maconha nos termos propostos pelo deputado não seria capaz de suprimir o comércio ilegal de cannabis, pois os traficantes ainda seriam capazes de oferecer maconha com maior concentração de THC e a preços menores do que a legalizada.

De acordo com um relatório dos repórteres Willian Ferraz, Hugo Bross, Kaio Diniz e Vanderson Freizer, 56% dos assassinatos no Brasil têm ligação direta com o tráfico. Os mortos, em sua grande maioria, são jovens pobres de 15 a 25 anos. E são mais de 50 mil mortes por ano.
Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), só no Rio de Janeiro, em 2013, houve 4761 homicídios, 16,7% mais que em 2012. Desse total, 416 foram assassinatos cometidos pela polícia e registrados sob o eufemismo de "auto de resistência". O panorama é assustador em todo o país.
Observação n. 6: Um completo absurdo afirmar que todas as mortes decorrentes do enfrentamento de traficantes por forças policiais sejam consideradas como assassinatos. Não se fecha os olhos para o fato que existam níveis alarmantes de violência policial, mas aparentemente o deputado é cego para a brutalidade com a qual os traficantes atacam e, muitas vezes, executam policiais. Da mesma forma que é um despropósito negar que existam excessos criminosos praticados por policiais, é um absurdo ainda maior sustentar que todas ou a maioria das mortes por enfrentamento de policiais são assassinatos. Esquece-se que, em números relativos, não há grupo mais vulnerável do que policiais civis e militares.
Entre 1980 e 2010, a taxa de mortalidade por armas de fogo no Brasil cresceu de 7,3 a 20,4 por cada 100 mil habitantes, mas esse número, já altíssimo, dobra quando falamos dos jovens: quando as vítimas têm entre 15 e 29 anos, a taxa é 44,2. E a principal causa disso é a guerra às drogas.
Observação n. 7: Um argumento enviesado que prova, antes de tudo, que os traficantes não se constituem em um grupo pacífico que é vitima da violência policial. Se o número de mortes por armas de fogo está diretamente relacionado com a guerra às drogas, não se pode deixar de pontuar que o tráfico ilegal de armas tem como clientes preferenciais, justamente, os traficantes. O sangue dos inocentes jorra, pois, desde a ação de traficantes.

Usando os dados do próprio deputado: Tomemos os números de assassinatos no Rio de Janeiro em 2013: 4761 óbitos. Se 56% dos homicídios está relacionado diretamente com o tráfico de drogas, isso implica dizer que 2428 pessoas foram mortas por traficantes no Rio de Janeiro. Quase cinco vezes o número de mortes decorrentes da atuação policial (416). Mesmo partindo da irracional hipótese que auto de resistência encobre um assassinato por policial, os traficantes matam 583% mais pessoas. Reitera-se novamente que presumir que toda morte decorrente do enfrentamento de policiais é um absurdo, mas mesmo assim, fica evidente quem é o grupo de pessoas que faz o sangue da juventude jorrar pelas sarjetas do Brasil. Quem está matando nossos jovens são os traficantes.
Mas essa "guerra" impediu que as pessoas consumissem drogas ilícitas? Não. De acordo com um estudo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas da Unifesp, a maconha é consumida por mais de um milhão de brasileiros, e 7% dos adultos já fumaram alguma vez. Dentre eles, 62% tiveram o primeiro contato com a maconha antes dos 18 anos de idade.
Hoje, como a maconha é liberada, não tem maneira de impedir que um menor de idade vá comprar numa "boca". E todo o mundo sabe onde fica a boca mais próxima.
Observação n. 8: Na verdade, tudo indica, que a política repressiva, ainda que não tenha conseguido anular o consumo de substâncias entorpecentes ilegais, evita que um número considerável de pessoas utilize com regularidade substâncias entorpecentes. Tal tema já foi tratado em observação anterior, porém, cabe destacar, que no caso de uma legalização, seria de se esperar um aumento explosivo do número de usuários.

O argumento do deputado federal parte da seguinte premissa: Como a repressão não é suficiente para evitar que pessoas consumam, o melhor seria a completa legalização. É tão irracional tal premissa que redunda em flagrante absurdo quando aplicada noutros casos. Exemplo: Como a repressão criminal não é suficiente para evitar que as pessoas pratiquem homicídio, seria então o caso de legalizá-lo? Noutras palavras, o deputado justifica a legalização do crime pelo acontecimento do crime.

Ademais, faz crer que a legalização e regulamentação da maconha evitariam que menores tivessem que ir até "bocas". O que ocorreria é justamente o contrário. Como os estabelecimentos comerciais que estariam autorizados a comercializar a maconha estariam proibidos de vender maconha aos menores, estas crianças e adolescentes teriam que continuar a comprar a cannabis de traficantes, pois legalmente, ainda estariam impedidos. Notem, isso é mais um elemento para a demonstração que a legalização da maconha não acabaria com o tráfico de cannabis.

Resta inclusive perguntar ao deputado: Se os menores, com a repressão, possuem facilidade na obtenção de maconha, com a legalização esta facilidade aumentaria ou diminuiria? A resposta é óbvia.
A política de guerra às drogas - além de não diferenciar o uso do abuso de drogas e nem reduzi-los, não regular o comércio, não controlar a qualidade das drogas que são vendidas, não recolher impostos, não impedir o acesso a elas dos menores de idade, gastar fortunas e matar milhares de pessoas a cada ano - também envia milhares de jovens para os presídios.
Observação n. 9: Além das objeções já levantadas em observações anteriores, o deputado coloca como um dos fatores que justificariam a legalização das drogas a geração de impostos. Estaria justificada a atuação do Estado em regatear com a saúde pública e com a vida de milhares de pessoas em decorrência do incremento dos impostos recolhidos?
De acordo com dados coletados pelo portal G1, o total de pessoas encarceradas no Brasil é de 563.723 (bem mais que a capacidade das prisões, que é de 363.520 vagas), e em 20 anos esse número aumentou em 450%.
O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, depois da China, dos EUA e da Rússia, e, de acordo com dados do Ministério da Justiça de dezembro de 2012, a maioria dos presos é jovem (52% têm entre 18 e 29 anos), negro ou pardo (58%), e quase um de cada quatro (24%) está preso por comércio de drogas ilícitas.
O que esses números e outros que poderiam ser mencionados mostram é que a guerra às drogas, além de ser cara e inútil, está produzindo uma tragédia. Por isso, além de legalizar e regulamentar o comércio de maconha, meu projeto propõe duas medidas que, eu sei, serão polêmicas — e peço atenção, porque provavelmente serão distorcidas pelos fundamentalistas de sempre —, mas considero que sejam imprescindíveis para reduzir a violência e a criminalidade (e a criminalização muitas vezes desnecessária).
Observação n. 10: Demonstrado por números do próprio deputado que a maior parte dos homicídios está diretamente relacionado com o tráfico e com a brutalidade dos traficantes, Jean Wyllys oferece uma solução fantástica para resolver o problema de violência brasileira: anistiar e colocar em liberdade os criminosos responsáveis pela maior parte dos homicídios (56%) praticados no Brasil.
O projeto
Em primeiro lugar, proponho uma anistia geral para todas as pessoas presas, processadas ou indiciadas por tráfico de maconha. Isso não inclui aqueles que tenham praticado outros crimes (por exemplo, quem tiver matado), e nem os policiais e outros agentes públicos envolvidos no tráfico.
O objetivo dessa primeira anistia, que é uma consequência lógica da descriminalização do comércio de cannabis (mas, por uma questão de técnica legislativa, precisava ser explicitada), é liberar aqueles que tenham sido presos ou acusados apenas por vender maconha. A maioria é composta por vapores, aviões, pequenos assalariados do tráfico, jovens e adolescentes que moram nas periferias e nas favelas e que entraram no "movimento" porque era o que o país lhes oferecia para ser alguém na vida.
O conceito de traficante está inchado porque inclui, como se da mesma coisa se tratasse, o chefe de uma quadrilha internacional e o menino pobre que trabalha (sim, trabalha) no último elo da cadeia do tráfico. E somente esses últimos é que são presos, na maioria dos casos, e têm a vida estragada quando ela apenas começou.
Observação n. 11: Note que o deputado pontua que esta seria somente a primeira de várias anistias que estariam previstas em seu projeto. Recorda-se que o deputado defende que o seu projeto de lei constitui-se em uma primeira e importante etapa para a legalização de todas as substâncias entorpecentes. 

Voltemos-nos agora a uma das questões mais polêmicas do projeto de lei do deputado federal. Propõe-se a anistia de todos aqueles indiciados, processados ou condenados pelo crime de tráfico de maconha. 

Para esclarecer o que está sendo proposto por Jean Wyllys, pode-se definir anistia como o esquecimento jurídico do delito, um verdadeiro perdão concedido pelo Congresso Nacional. Os fatos alcançados pela anistia deixam de ser objeto de reprovação penal em decorrência da extinção da punibilidade (art. 107, II, do Código Penal), porém, subsiste a natureza criminosa da conduta. Noutras palavras, a anistia perdoa a prática de crimes pretéritos, porém essas condutas continuam sendo consideradas como crimes.

Neste momento, é possível chamar a atenção para um erro crasso de técnica jurídica da lei que propõe a legalização da maconha. Nos termos do Projeto de Lei n. 7.210/2014 de autoria de Jean Wyllys, é absolutamente impossível a concessão de anistia aos traficantes de Cannabis, pelo simples motivo que é impossível anistiar o que não é mais considerado como crime (abolitio criminis).

Explica-se.

O art. 33 da L. 11.343/2006 define o crime de tráfico de drogas como "importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação regulamentar". Note que o texto legal não define quais seriam estas drogas que uma vez identificadas como tal permitem o reconhecimento do crime de tráfico.

Para resolver esta questão sobre quais substâncias entorpecentes podem ser consideradas como drogas, segue-se o imperativo do art. 1º, parágrafo único, da L. n. 11.343/2006:

Art. 1º. [...]
Parágrafo único. Para fins desta Lei [L. n. 11.343/2006], consideram-se como drogas as substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

Toda vez que encontramos um dispositivo incriminador que necessita do completo de outro diploma jurídico verifica-se uma, assim designada, norma penal em branco. Quando o complemento é encontrado em um diploma jurídico da mesma natureza, diz-se de uma norma penal em branco homogênea, quando o diploma jurídico é de natureza distinta, diz-se de uma norma penal em branco heterogênea.

Neste sentido o dispositivo incriminador do tráfico de drogas (art. 33, da L. n. 11.343/2006) é uma norma penal em branco heterogênea, pois a norma penal que consta em uma lei, depende de complementação de uma portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Superada esta etapa preliminar de explicação conceitual, o STF firmou o entendimento que no caso de revogação total ou parcial do texto que complementa uma norma penal em branco, ocorre o chamado abolitio criminis (art. 5º, XL da Constituição Federal e art. 2º do Código Penal). Isso quer dizer, a conduta deixa de ser crime, retroagindo e fazendo desaparecer todos os efeitos penais decorrentes da prática da conduta outrora considerada criminosa. Para alicerçar tal entendimento, cita-se a jurisprudência do STF (HC-94397), quando decidiu, neste sentido, em um caso em que o cloreto de etila (princípio ativo do lança-perfume) foi retirado do rol de substâncias consideradas como drogas na portaria da ANVISA.

Considerando que o  Projeto de Lei n. 7.210/2014, determina em seu art. 1º, §1º que "a Cannabis, derivados e produtos de Cannabis passam a ser considerados 'drogas lícitas', deixam de integrar a lista de substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e passam a ser regidos por esta lei", isso significa dizer que da lei pretendida por Jean Wyllys decorreria o abolitio criminis do tráfico de maconha restando impossível a anistia, pois, evidentemente, não se pode perdoar o crime quando o crime não mais existe. Um erro absolutamente crasso e elementar.

OBSERVAÇÃO N. 12: A parte final do texto de Jean Wyllys não foi reproduzida por entender que os comentários e as críticas anteriores se aplicam, no mais, ao trecho final, no que seria redundante a repetição. Ressalva-se que no início desta postagem, encontra-se um link para a íntegra do texto do deputado federal.

CONCLUSÃO:

O Projeto de Lei n.  7.210/2014 é um cavalo de Tróia. Apresenta-se, candidamente, como uma mera regulamentação da maconha, dada como droga leve ou inofensiva, porém, no em seu texto, é possível encontrar diversos dispositivos legais que se aprovados encaminhariam a completa legalização de todas substancias entorpecentes, desde a maconha até o crack.  Dão-se como fundamento desta afirmação os seguintes e absurdos trechos do projeto de lei:

a)  Nos termos do art. 38 do referido Projeto, estaria legalizada a semeadura, cultivo e colheita de qualquer planta para a produção e preparação de qualquer droga ilícita, dede que para uso ou consumo pessoal. Significa dizer que o projeto propõe a legalização não só do plantio de maconha para consumo pessoal, mas também de coca. Nota-se que a preparação de drogas derivadas da coca, para uso pessoal, também restariam legalizadas. Ou seja, o projeto de lei tornaria completamente legalizado a produção, por exemplo, de cocaína e crack, desde que para consumo pessoal. Já posso ver propagandas de kits "crack, faça você mesmo".

b) No art. 40 do Projeto de Lei, se propõe a alteração do art. 33 da L. 11.343/2006, o que implicaria na legalidade da oferta gratuita de qualquer droga a pessoa maior de 18 (dezoito) anos. Isso significaria tornar lícita aos traficantes um meio de ampliar a base de usuários através de "amostrar grátis". Ou seja, a legalização do "trafico de drogas filantrópico". Notando que depois de viciados, esta gratuidade não sairá barato.

c)  Desde o art. 21 do Projeto de Lei, concederia a anistia a todos os traficantes de maconha - absurdo jurídico conforme explicado anteriormente. No § 3º do mesmo artigo, propõe a anistia a todos os traficantes brasileiros ainda não indiciados, desde que prometam que nunca mais retornarão ao tráfico de drogas ilícitas. 

d) Lembrando que Jean Wyllys afirma que, no final, o que pretende mesmo é a legalização de todas as drogas. Cita-se trecho da justificativa do projeto de lei: "Entendemos que o projeto é ainda limitado nesse sentido, já que a solução definitiva desta problemática requereria a legalização de todas as drogas atualmente ilícitas, mas somos conscientes de que o debate social necessário para uma medida tão radical ainda não foi vencido, e consideramos que a regulação da produção e comercialização da Cannabis, junto a outras importantes alterações que este projeto propõe para mudar a atual política de drogas, será o pontapé inicial de um debate que não finaliza com esta lei, mas apenas começa com ela".

Comentários sobre outros tantos absurdos constantes especificamente no Projeto de L. n. 7.210/2014 podem ser encontrados AQUI.

2 comentários:

  1. Esse deputado Jean wyllys tem é que ser cassado, ele presta um grande desserviço a nação.

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  2. Parabéns! Há tempo esperava uma matéria semelhante. Vale salientar que nas pontas, no atendimento a usuários, há uma série de profissionais adotando esta política de legalização. Nos CAPS AD, utilizam da chamada "Redução de Danos" como um dogma, uma pesquisa com usuários facilmente apontará que os resultados de tratamento são manipulados em prol da liberação das drogas. Poucos são aqueles que argumentam sobre o tema com tamanho conhecimento científico. Mais uma vez, parabéns!

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