A
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) impediu que uma
empregada doméstica inválida, acusada de furtar um par de óculos usado,
esquecido no balcão de uma lotérica, siga respondendo por furto.
Primária e sem antecedentes, ela devolveu os óculos e confessou tê-los
guardado em sua bolsa ao encontrá-los esquecidos.
Um
“laudo informal” avaliou o bem em R$ 200. Para o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul (TJRS), o caso não se enquadraria no princípio da
insignificância porque o valor do bem seria superior a 30% do salário
mínimo então vigente, quando só poderia ser considerado bagatela o furto
que alcançasse bem de no máximo 10% desse valor.
Perigo social
Além
disso, para o TJRS, o furto teve significado para o proprietário, que
chegou a registrar a ocorrência na esperança de reaver os óculos. Ainda
segundo o TJRS, como o furto ocorrera durante a tarde, em uma casa
lotérica, o ato indicaria “considerável periculosidade social e
comportamento com elevada reprovabilidade”. A decisão do TJRS foi
unânime.
No STJ, o Ministério Público Federal também se
manifestou contrário ao trancamento da ação. Para o MPF, aplicar o
princípio da insignificância no caso resultaria no estímulo à prática do
crime e à impunidade, violando o direito constitucional à propriedade e
dando proteção deficiente à vítima.
Bagatela
O
ministro Marco Aurélio Bellizze, em decisão individual, atendeu à
defesa e extinguiu a ação. Para o relator, a conduta é minimamente
ofensiva, além de se tratar de acusada primária e de bons antecedentes.
Inconformado,
o MPF recorreu da decisão individual. Mas a Quinta Turma, por
unanimidade, rejeitou o agravo regimental no recurso em habeas corpus e
confirmou o entendimento do relator.
“Sem razão o
Ministério Público Federal”, anotou o ministro. “A lei penal não deve
ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social,
razão pela qual os princípios da insignificância e da intervenção
mínima surgem para evitar situações dessa natureza, atuando como
instrumentos de interpretação restrita do tipo penal”, acrescentou.
Coisa achada
“É
bem verdade que, aceita a ideia de forma irrestrita, o estado estaria
dando margem a situações de perigo, na medida em que qualquer cidadão
poderia se valer de tal princípio para justificar a prática de pequenos
furtos, incentivando-se, por certo, condutas que atentariam contra a
ordem social”, ponderou o relator.
“No presente caso, a
meu ver, verifica-se a presença dos referidos vetores, já que, além de o
recorrente ser primário e de possuir bons antecedentes, o par de óculos
subtraído foi avaliado em R$ 200. Portanto, não há como deixar de
reconhecer a mínima ofensividade da conduta praticada pelo recorrente”,
concluiu.
Durante o julgamento, o ministro observou que
a prática narrada nem mesmo configuraria furto (artigo 155 do Código
Penal), mas apropriação de coisa achada (artigo 169, inciso II), cuja
pena é significativamente inferior e ainda sujeita à forma privilegiada.
Esta notícia se refere ao processo: RHC44461
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