quarta-feira, 12 de novembro de 2014

PERGUNTA & RESPOSTA: Oferecer bebida alcoólica para menores é crime?


Pergunta: Oferecer bebida alcoólica para menores de 18 anos constitui delito?

A pergunta foi feita por aluno que me chamou a atenção para um caso que teve lugar em Sarandi (PR) e tempo em outubro do corrente ano. A então companheira da mãe da criança postou uma foto numa rede social na qual uma criança de 1 (um) ano de idade aparece sendo servida de bebida alcoólica (cerveja).


Para adicionar o ridículo ao absurdo, os pais da criança, ao tomarem conhecimento da postagem, teceram vários comentários deixando patente a sua falta de preocupação com a situação. O pai comentou "Puxou o pai né filhão" [sic] e "Desde de pekeno ta aprendendooq eh bom na vida kkk" [sic]. A autora da postagem acrescenta: "fika muito com nois ja ta aprendendo" [sic].

O fato já rendeu severas consequências jurídicas para os pais, que estão separados desde o nascimento da criança. Apesar alegarem que acreditavam tratar-se de refrigerante ao invés de bebida com teor alcoólico, o casal perdeu a guarda da criança, sendo o menor encaminhado para um abrigo até que outro familiar seja encontrado. Caso nenhum familiar apto a prover cuidados adequados seja encontrado, a criança será encaminhada para adoção. (FONTE).

Exposto o caso, retornamos à pergunta: qual seria a responsabilidade penal dos envolvidos neste evento?

RESPOSTA:

1. Responsabilidade penal da ex-companheira que ofereceu a bebida alcoólica.
 
No caso da pessoa que oferece bebida alcoólica para menor, a jurisprudência dominante é no sentido de tipificação da conduta descrita no art. 63, I, da Lei de Contravenções Penais e não aquela disposta no art. 243 do ECA.

Isso decorre do fato que, apesar da redação do art. 243 do ECA, criminalizar a conduta de "vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida" - o que aparentemente permitiria a tipificação da conduta de oferecer cerveja a menores de idade - é necessária uma remissão ao art. 81, II e III, da L. 8.069/90.

Art. 81. É proibida a venda à criança ou ao adolescente de
[...]
II - bebidas alcoólicas; 
III - produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida; 

Conforme pode ser observado na leitura do art. 81 do ECA, o legislador apartou as bebidas com teor alcoólico daqueles outros produtos que podem causar dependência física ou psíquica, de modo que - por interpretação lógica e sistemática - as bebidas etílicas restam normativamente excluídas do conjunto daquelas causadoras de dependência.

Neste sentido: 

Ementa: Apelação Criminal. Condenação. Fornecimento de bebido alcoólica a menor (Art. 243 , ECA ). Juízo de prelibação negativo. Recurso intempestivo. Intimação pessoal do réu e diário oficial de seu defensor. 1. A intimação pessoal do réu acerca do teor da sentença condenatória obedece aos postulados da ampla defesa e contraditório, dando-lhe ciência do comando dispositivo e oportunizando a interposição de recurso. O fato de o réu não saber se vai recorrer não pode ser interpretado como desídia estatal, que cumpriu com os atos de intimação em sua integralidade. Se o réu não sabe se vai recorrer, cabe à sua defesa optar por apresentar as razões de inconformismo ou não, servindo para isso a intimação via oficial. De ofício. Desclassificação do tipo penal. Artigo 63 , I , da Lei de Contravenções Penais . Precedentes. Nulidade de sentença. Remessa dos autos ao Juizado Especial. 2. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a contravenção penal tipificado no artigo 63 , inciso I , do Decreto-Lei nº 3.688 /41, afasta a incidência da especialidade do Estatuto da Criança e do Adolescente , no que diz respeito ao crime do artigo 243 . Isto porque, diante de um simples cotejo entre os citados artigos, e ainda do artigo 81 , inciso II , do ECA , nota-se que o Estatuto prevê distintas nomenclaturas para o que se poderia entender por bebida. Naquele (artigo 243), a previsão é a de que produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ao passo que neste (artigo 81), a proibição de venda recai sobre bebidas alcoólicas. 3. A analogia in malan partem não é admitida pelo Direito Penal, restando impossível que se dê sentido ao crime do artigo 243 , do ECA , em análise ao artigo 81, II, do mesmo diploma legal. É por tal motivo e porque a contravenção penal mostra-se mais específica, que a desclassificação é medida que se impõe. Prescrição. Impossibilidade de reconhecimento Modalidade virtual. Súmula nº 438 , do STJ. 4. A prescrição na modalidade antecipada, virtual ou em perspectiva é vedada, diante de sua ausência de previsão legal. Recurso não conhecido, sentença anulada de ofício e determinação de remessa dos autos ao Juizado Especial [TJ-PR - 8589368 PR 858936-8 (Acórdão) (TJ-PR)].

Em suma: Desde o entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência, oferecimento de bebida alcoólica para menor não constitui-se em conduta criminosa, sendo o caso de responsabilidade penal por contravenção penal (art. 63, I, LCP).

2. Responsabilidade penal dos pais da criança.

Ressaltando a incompletude de informações necessárias para uma resposta categórica e presumindo como corretos de todos os fatos apresentados na notícia da imprensa, é possível conjecturar pela possibilidade de tipificação do crime de entrega de menor a pessoa inidônea (art. 245, CP) e do delito de abandono moral (art. 247,I, CP).

No caso do art. 245, CP, trata-se de um crime de perigo concreto, sendo indispensável a demonstração de que o menor foi entregue pelos pais aos cuidados de uma pessoa em cuja companhia a criança restaria moral ou materialmente em perigo. Por certo, se os fatos descritos na notícia estiverem corretos, o oferecimento de cerveja é suficiente e bastante para afirmar a existência do perigo e, por decorrência, da idoneidade da ex-companheira para prover cuidados adequados que preservem a criança.

Evidente que para a configuração, deve restar provado que os pais entregaram - dolosamente - a criança aos cuidados da referida pessoa inidônea conhecendo da inaptidão desta para prover cuidados necessários para a preservação da integridade física e moral do menor.

Seria também o caso de reconhecer o delito previsto no art. 247, I, CP ("Permitir que menor de 18 anos conviva com pessoa viciosa ou de má vida"), mas para isso seria necessário demonstrar a habitualidade da convivência entre a criança e a ex-companheira da mãe; bem como demonstrar que esta pessoa possui uma condução de vida que pode ser considerada nociva para a constituição moral da criança.

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