sexta-feira, 7 de novembro de 2014

TJMG: O crime de tortura não exige a qualidade de funcionário público


O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) uniformizou a jurisprudência da Casa para reconhecer a natureza comum do crime de tortura. Isso significa entender que a tortura pode ser praticada por qualquer pessoa, não sendo necessária a condição de agente público para ser caracterizada. A decisão é da Câmara de Uniformização de Jurisprudência Criminal do TJMG e foi publicada em 30 de outubro último.

O incidente de uniformização, recurso por meio do qual se buscou unificar o entendimento do TJMG sobre o assunto, foi suscitado pela 2ª Câmara Criminal, que acolheu parecer do Ministério Público nesse sentido – o pedido foi feito pelo procurador de justiça Antônio Sérgio Tonet. O objetivo foi fixar o entendimento de que configura crime comum o delito previsto no artigo 1º, inciso II, da Lei 9.455/97 – “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”.

Com essa decisão, agressões contra crianças, idosos, deficientes físicos ou enfermos, muitas vezes classificadas como maus-tratos ou lesões corporais, poderão ser qualificadas como tortura, recebendo penas maiores.

Enquanto o incidente de uniformização era apreciado pelo TJMG, todos os processos dessa natureza que estavam na Casa ficaram suspensos, aguardando o julgamento do incidente.

Imposição de sofrimento

“A tortura se consuma com a imposição de sofrimento físico ou mental, pouco importando a natureza da declaração, confissão ou informação pretendidas, se penal, comercial, pessoal, etc. Por isso, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, tanto o funcionário público como o particular”, declarou em seu voto o desembargador Júlio Cézar Gutierrez.

Com o mesmo entendimento, o desembargador Armando dos Anjos afirmou: “(...) Tenho para mim, data venia, que o crime de tortura é crime comum e pode ser praticado por qualquer pessoa, desde que ela seja responsável por outra, ou seja, pelo ‘garante’ sujeito passivo, ou melhor, por aquele que tem a guarda ou vigilância, poder ou autoridade, de fato ou de direito”.

O desembargador Pedro Coelho Vergara e a desembargadora Kárin Emmerich tiveram o mesmo entendimento, avaliando ser a tortura um crime comum.

Votos divergentes

A desembargadora Márcia Milanez, relatora, teve entendimento diferente. Em seu voto, ela afirmou que considerar a tortura como crime comum seria desconsiderar disposições veiculadas em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, “que teriam status de norma constitucional, especialmente a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984”.

De acordo com a relatora, a convenção define tortura como “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa” e estabelece que tais agressões são perpetradas por “funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência”.

Os desembargadores Matheus Chaves Jardim e Marcílio Eustáquio Santos votaram de acordo com a relatora, mas foram votos vencidos.


Queimado com ferro

O pedido do Ministério Público surgiu a partir de um caso de Poços de Caldas. Em 18 de julho de 2010, um menino de 3 anos, segundo denúncia do MP, teve diversas partes do corpo queimadas com ferro de passar pelo padrasto, E.C. O motivo foi a criança ter feito xixi na cama.

De acordo com a denúncia, E. convivia com a mãe da criança, L.S.P., havia cerca de dois anos. Nesse período, o padrasto constantemente agredia o menino e os demais enteados, de 8 e 5 anos, infringindo às crianças intenso sofrimento físico e mental, por meio de socos e chutes, chegando a queimar com cigarro o rosto de uma delas.

Segundo o MP, a mãe se revelou omissa em relação aos fatos. Quando o menino foi queimado por ferro, por exemplo, ela só o levou ao posto de saúde no dia seguinte e, chegando lá, mentiu, indicando que o menor tinha sido queimado por um dos irmãos. Suspeitando das agressões, o médico que atendeu a criança chamou a Polícia Militar e o Conselho Tutelar.

Em 3 de maio de 2011, o padrasto foi condenado em Primeira Instância a 9 anos e 10 meses de prisão em regime inicial fechado, pelo crime de tortura e omissão de socorro, e a mãe do menor a 6 meses de detenção em regime inicial aberto, por omissão de socorro.  Houve recurso em Segunda Instância, quando a defesa do padrasto tentou desqualificar o crime de tortura e o MP suscitou o incidente de jurisprudência. A 2ª Câmara Criminal aguardava o julgamento do incidente, para que apelação criminal fosse julgada.

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