sexta-feira, 28 de novembro de 2014

TRF 1ª Região: Turma recebe denúncia por trabalho escravo em fazendas no Mato Grosso


A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento ao recurso e recebeu denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) contra dono de duas fazendas localizadas no Município de Nova Canaã do Norte, no estado de Mato Grosso. Na referida peça, o MPF relata que oito trabalhadores foram encontrados sob tratamento análogo ao de escravos, estando sujeitos a condições degradantes de trabalho, na forma do artigo 149 do Código Penal.

Em razão da representação, foi realizada fiscalização nas duas fazendas pela Equipe de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, oportunidade em que foram descobertos os trabalhadores rurais reduzidos à condição análoga de escravos. Durante o procedimento de fiscalização, foi observado que aos trabalhadores eram oferecidos, como alojamento, barracos de pau-a-pique com lonas plásticas dentro da mata, sem dependências destinadas à higiene pessoal ou à satisfação das necessidades fisiológicas, que eram feitas na mata. Os banhos e a limpeza dos utensílios e roupas eram feitos em córregos próximos aos alojamentos.

As refeições eram preparadas em fogões rústicos de barro e consumidas em bancos improvisados. A carne era armazenada dentro de baldes, imbuída em gordura para conservação, ficando exposta a animais domésticos e silvestres, além de insetos vetores de enfermidades. Observou-se também que os trabalhadores não utilizavam calçados, roupas, luvas, óculos, ou outros equipamentos de proteção próprios para o trabalho que estavam executando.
Por meio do depoimento dos trabalhadores e do denunciado ficou confirmado que o dono das fazendas tinha ciência das condições de trabalho de seus empregados.

Desta forma, o MPF afirmou que “é inconteste que os trabalhadores eram mantidos em condições análogas à de escravo, uma vez que eram sujeitos a dormirem em barracos sob a proteção de lonas plásticas, alimentação precária, sem disponibilidade de água potável, dividindo o ambiente com animais peçonhentos, vivendo sem quaisquer condições de higiene, além de ficarem distantes, por vários quilômetros, dos locais de origem. Estavam submetidos, enfim, ao mais degradante e hostil ambiente de vida.”

O juízo de primeiro grau rejeitou a denúncia declarando que “em nenhum momento os depoentes falaram em trabalhos forçados, sob vigilância ou com restrição do seu direito de ir e vir” e que “para efeitos penais não se deve confundir ilícitos trabalhistas com práticas criminosas”, afirmou o magistrado.

Inconformado, o MPF recorreu ao TRF1 alegando que “a conduta do acusado demonstra uma atuação totalmente contrária à legislação trabalhista vigente e aos valores sociais do trabalho, configurando a busca desenfreada pelo lucro e produtividade em suas propriedades rurais, devendo sofrer as sanções penais pelo ilícito praticado”. Afirmou ainda que foi comprovado, por meio dos depoimentos dos trabalhadores, que eles estavam sujeitos a condições desumanas e submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas e situações degradantes, incompatíveis com a dignidade da pessoa humana.

O relator, desembargador federal Mário César Ribeiro, após analisar o caso, recebeu a denúncia do Ministério Público. Segundo o magistrado, “trata-se de relato que descreve e demonstra, através de inúmeras fotografias, a submissão de grupo de trabalhadores a condições degradantes de trabalho, pelas características do alojamento em que pernoitavam e faziam suas refeições, pela inexistência de água potável, dentre outras práticas da mesma espécie, tudo com o intuito de se obter lucro fácil, mediante utilização de mão-de-obra, às vezes, praticamente gratuita, na exploração de serviços”, analisou o julgador.

O desembargador registrou ainda que “reduzir uma pessoa à condição de escravo é reduzi-la a uma coisa, tratá-la como sua propriedade, colocando-a em um estado de sujeição total, em condições degradantes, semelhante à situação de um escravo, em que o fim será a prestação de trabalho, não sendo necessária a restrição do seu status libertatis”.

Por fim, o relator votou pelo recebimento da denúncia: “Como se pode verificar dos termos acima expostos, encontram-se evidenciados indícios de autoria e materialidade, apresentando-se a denúncia formal e materialmente correta; demonstrando de forma clara e objetiva o fato supostamente criminoso, com todas as suas circunstâncias”.

A decisão foi unânime.

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