quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE: Relatório final conclui que ditadura militar praticou crimes contra a humanidade


O coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Pedro Dallari, disse que uma das conclusões mais importantes do relatório final é a confirmação da maneira como as graves violações aos direitos humanos, durante o período da ditadura militar, foram praticadas.


“Eu adianto, de maneira geral, que a conclusão mais importante é a comprovação não só de que houve realmente um quadro muito grave de violação dos direitos humanos mas, mais do que isso, que essas violações foram praticadas de maneira sistemática, planejada, organizadas pelas Forças Armadas por meio de cadeias de comando encimadas pela Presidência da República”, afirmou, em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

O documento, que será entregue hoje (10) às 9h à presidenta Dilma Rousseff, faz um relato das atividades desenvolvidas pela comissão durante os dois anos e sete meses de investigações, além de fatos apurados, conclusões e recomendações. Segundo Dallari, o relatório é uma exigência da lei que criou a CNV, a 12.528/2011. A data fixada para que a comissão entregasse os trabalhos foi dia 16 deste mês.


“Antecipamos em alguns dias para atender à data de 10 de dezembro, que é simbolicamente muito importante porque se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos”, explicou.

Segundo o coordenador, o relatório trata dos casos de mortos e desaparecidos políticos que foram estudados minuciosamente pela comissão. “É com base nesses casos que há então a indicação de autoria, ou seja, daqueles que são os autores. O cuidado que vamos ter é sempre de estabelecer a conexão entre autoria e vítimas.”


Com relação à participação e colaboração das Forças Armadas nas investigações, Dallari ressaltou que apesar de uma boa relação e a colaboração com informações, alguns documentos não puderam ser avaliados. “Não fomos atendidos principalmente pela alegação das Forças Armadas de que muitos documentos teriam sido destruídos e isso fez com que eles não entregassem documentos, por exemplo, do Centro de Informações do Exército, órgão que teve papel muito relevante para as graves violações de direitos humanos.”


Com relação às recomendações presentes no relatório, o coordenador disse que as medidas seguirão os pontos abordados nas conclusões do trabalho. Entre elas está a de responsabilização dos autores identificados. “Nós não temos o poder de processar e julgar, então recomendamos que quem tenha o poder de processar e julgar o faça”. Ele acrescentou que medidas para que essas violações não continuem a ser praticadas também estarão na listagem. “Embora não se torture mais por razões políticas no Brasil, a tortura em instituições policiais ainda é muito grande e, portanto, temos que adotar medidas que coíbam essa prática. Será nessa linha que irão as recomendações.”


No dia 16 de dezembro deste ano, a comissão terá seus trabalhos encerrados e será extinta. Para Dallari, o legado será a riqueza de informações que podem servir de base para que as investigações continuem. “A partir daí, caberá ao Congresso Nacional, à Presidência da República, ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à sociedade de maneira geral, por meio das universidades, das suas entidades organizadas, dar sequência a essa apuração para extrair resultados.”

FONTE: Agência Brasil

COMENTÁRIOS RABUGENTOS

O fim dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade é marcado por uma certa melancolia. Se por um lado constitui-se em nobre esforço para esclarecer os porões da história nacional durante os anos de chumbo (1964-1985), por outro lado, não avançou significativamente no esclarecimentos dos fatos.

O seu início foi marcado pela polêmica decisão de investigar, tão somente, os crimes praticados pelo Regime Militar e seus apoiadores, deixando de lado os delitos praticados pela resistência armada. Mesmo considerando tal parcialidade, seu êxito foi reduzido, visto que a maior parte dos casos analisados já eram (re)conhecidos como crimes praticados pela Ditadura. Por concentrar-se em casos notórios, foi criticada em razão de não atentar-se para brutalidade que recaiu sobre outras vítimas menos famosas.

Os destaques ficam por conta da recomendação de revisão da Lei da Anistia e da afirmação de que os crimes praticados pelos agentes do Regime Militar devem ser considerados como delitos contra a humanidade.

Quanto a responsabilidade criminal dos agentes do Regime Militar, a questão é no mínimo problemática. Apesar de vasto apoio no sentido de punir penalmente os criminosos da Ditadura Militar, o fato já foi decidido pelo STF que afirmou que a Lei da Anistia é ampla, geral e irrestrita, alcançando, inclusive, os crimes praticados pelo apoiadores do Regime Militar. É muito duvidosa a possibilidade jurídica de modificar a decisão do STF - visto não existir previsão de recurso da ADPF, irretroatividade da lei penal, a garantia do ato jurídico perfeito - apesar de alguns ministros, entre eles Barroso e Marco Aurélio, indicarem tal possibilidade.

Sobre a qualificação dos crimes praticados pelos agentes do Regime Militar sob a égide dos delitos contra a humanidade, algo de interessante poderá daí decorrer. Se o Brasil ratificar que qualquer ditadura, por ser ditadura e sem importar a orientação ideológica, constitui-se em um meio político para a realização de crimes contra a humanidade, disso poderá decorrer a revisão de nossas relações diplomáticas. Entendo, neste sentido, que, se crimes praticados por ditaduras devem ser considerados contra a humanidade, o Brasil, por imperativo do art. 4º, II, CF, terá que revisar suas relações diplomáticas com regimes totalitários, como Cuba e Coreia do Norte. Restaria a pergunta: No caso de visita de um chefe de governo de um ditadura notoriamente envolvida em violações de direitos humanos, como Raúl Castro, seria o caso de desconsiderar a imunidade diplomática e prendê-lo como criminoso contra a humanidade, como  fez o espanhol Juiz Garzón por ocorrência da visita de Pinochet em Londres?

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