Não se admite a incidência do princípio da insignificância nos
casos em que o agente é autor contumaz de crimes contra o patrimônio.
Esse foi o entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) no julgamento de um habeas corpus.
A condenada furtou de uma drogaria dois desodorantes, quatro
barbeadores, um gel fixador, um gel creme modelador, um creme de
pentear, cinco caixas de preservativos e 13 barras de chocolate. Tudo
foi avaliado em R$ 88,24 à época dos fatos.
A mulher foi condenada a cumprir pena de dois anos de reclusão em
regime semiaberto. Para o juiz, deixar de reprimir a acusada em virtude
do “pequeno valor subtraído” seria “estimulá-la a constantes pequenas
investidas contra o patrimônio alheio”.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou a sentença, mas
modificou a pena para um ano e 10 dias de reclusão, mantido o regime
semiaberto. Para o TJMG, a aplicação do princípio da insignificância ao
caso “certamente representaria um estímulo à delinquência e à reiteração
criminosa da apelante”. Entretanto, a defensoria pública insistiu que
fosse aplicado o princípio, dessa vez no STJ.
De acordo com o ministro Rogerio Schietti, cujo pensamento foi o
vencedor na Turma, o princípio da insignificância é um “tema que
desperta grande dificuldade ao operador do direito, quer para aceitar a
incidência de tal princípio orientador da aplicação da lei penal, quer
para lhe definir os contornos precisos”.
Visão do STF
Segundo Schietti, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendido que o
princípio da insignificância qualifica-se como fator de
descaracterização material da tipicidade penal.
Para o STF, “o direito penal não se deve ocupar de condutas que
produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão
significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso
mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado,
seja à integridade da própria ordem social”.
O STJ, nas Quinta e Sexta Turmas, tem decidido que, para delimitar o
âmbito de aplicação da insignificância, o juiz deverá ponderar o
conjunto de circunstâncias que rodeiam a ação, de modo a descobrir se,
mesmo estando ela descrita em um tipo penal, não afeta de maneira
relevante o bem jurídico que o tipo protege.
Fatores
Para isso, Schietti elencou fatores que devem ser avaliados para
saber se um comportamento formalmente típico deve ou não receber
punição: “o valor do bem ou dos bens furtados; a situação econômica da
vítima; as circunstâncias em que o crime foi perpetrado, ou seja, se foi
de dia ou durante o repouso noturno, se teve o concurso de terceira
pessoa, sobretudo adolescente, se rompeu obstáculo de considerável valor
para a subtração da coisa, se abusou da confiança da vítima etc.; a
personalidade e as condições pessoais do agente, notadamente se
demonstra fazer da subtração de coisas alheias um meio ou seu estilo de
vida, com sucessivas ocorrências (reincidente ou não)”.
Para o ministro, avaliar os dados empíricos implica reconhecer que,
“na concretização do poder punitivo estatal, há algo além da mera
tipicidade formal do comportamento”. De acordo com o ministro, implica
reconhecer que, “conservador ou liberal, o julgador densifica uma dada
política criminal, que há de dialogar, necessariamente, com a dogmática
penal”.
Schietti destacou que a “simples existência de maus antecedentes
penais, sem a devida e criteriosa verificação da natureza desses atos
pretéritos, não pode servir de barreira automática para a invocação do
princípio bagatelar”.
Conexão comportamental
Dessa maneira, o ministro ressaltou que os crimes cometidos
anteriormente pelo agente devem ter alguma conexão comportamental com o
crime patrimonial cometido para que a insignificância seja afastada.
Conforme os autos, a condenada já havia cometido o mesmo crime em
ocasiões anteriores. Schietti analisou que o valor dos bens subtraídos
da drogaria não poderia ser considerado “ínfimo”, pois, de acordo com
ele, não é ínfimo valor furtado equivalente a aproximadamente 20% do
salário mínimo vigente (R$ 415). Nesse sentido, o ministro disse que a
conduta da paciente não possuiu “escassa lesividade penal”.
Schietti afirmou que a paciente é “contumaz e multirreincidente em
crimes da mesma natureza, ostentando pelos menos três condenações
anteriores por crime de furto e por crimes de roubo, a denotar sua
habitualidade criminosa, de maneira que a lesão jurídica provocada não
pode ser considerada insignificante”.
Tais fatores foram decisivos para que a maioria dos magistrados da Turma rejeitasse o habeas corpus, não conhecendo do pedido.
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