Em decisão inédita de um pedido de Habeas Corpus, o TJRJ reforma decisão de juiz monocrático e determina a soltura de pessoa presa em flagrante delito que não foi pessoalmente apresentada perante um juiz no prazo de 24 horas. Tal decisão foi fundamentada no disposto do art. 7º, item 6 da Convenção Americana de Direitos Humanos ("Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais").
Destaca-se que o art. 306, § 1º, CPP dispõe, tão somente, que os autos da prisão em flagrante devem ser remetidos a juiz competente em 24 horas, sendo silente sobre o prazo para a realização de audiência pessoal, conforme estabelecida na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
O juiz de primeiro grau entendeu pelo indeferimento do pedido de Habeas Corpus, alicerçando a negativa na inexistência de comando normativo do CPP neste sentido. Segundo o magistrado:
“Quanto ao requerimento de relaxamento da prisão, com fundamento na
audiência de custódia, não assiste a razão à defesa ante ausência de
previsão no CPP e na lei especial. Ressalte-se que o Pacto São José da
Costa Rica exige que o preso seja apresentado à autoridade judicial sem
qualquer fixação de prazo para esta ocorrência. Ademais, o mencionado
Pacto não dispõe acerca de qualquer ilegalidade relativa a não apresentação
do preso no momento pretendido pela defesa, o que se coaduna com a
realidade, eis que absolutamente inviável a realização da audiência
imediatamente após a prisão de cada réu. Por todo o exposto, indefiro o
pedido de relaxamento da prisão preventiva dos acusados Ueslei e Rafael”.
Entretanto, tal fundamentação ofertada pelo juiz monocrático foi rechaçada e considerada indevida pelo relator do TJRJ, Luiz Noronha Dantas, que afirma:
"Em segundo lugar, ofende a sensatez e a razoabilidade a
argumentação sustentada pelo Juízo de piso a partir da qual não foi
realizada a Audiência de Custódia porque inexiste prazo fixado para tanto.
Relembre-se que tanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(art. 7º, 5) – “Toda a pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem
demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a
exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo
razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu
comparecimento em juízo”, GRIFOS PRÓPRIOS – como o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos ( art. 9º, 3) – “Qualquer pessoa
presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem
demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a
exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgado em prazo razoável ou
de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam
julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá ser
condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em
questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a
execução da sentença”, GRIFOS PRÓPRIOS – estabelecem que tal
imprescindível iniciativa para se assegurar o resguardo à integridade física
e psíquica do preso determinam que isto se dê sem demora, a significar,
de imediato, ou seja, num prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, já que
qualquer outra metrificação de tempo ofenderá a mens legis".
O desembargador relator, ainda, demole o argumento de que tal garantia de audiência em até 24 horas, seria incompatível com a realidade ou inviável considerando o atual estado da Justiça brasileira. Para essa linha de raciocínio, pontua o seguinte:
"Por último, mas não menos importante, cabe descartar o
argumento final e metajurídico, sustentado pelo primitivo Juízo, a partir do
qual, considerou que a realização deste imprescindível ato não “se
coaduna com a realidade, eis que absolutamente inviável a
realização da audiência imediatamente após a prisão de cada
réu” (???!!!). Este, permissa venia, é o absurdo dos absurdos!!! Isto
porque não só não pode um Magistrado deixar de aplicar uma norma de
status constitucional porque não tem meios materiais para tanto – como,
por exemplo, seguir no julgamento de um feito, sem realizar a Instrução
deste, porque, simplesmente, não possui meios de transportar réus presos
e/ou intimar e requisitar a apresentação de testemunhas – como também tal
avaliação não é da sua competência, mas sim, da Administração Superior
deste Tribunal de Justiça, cabendo ao Juiz cumprir a lei e os primados
constitucionais próprios, e, caso não possua condições concretas de realizar o seu mister, que acione a Colenda Presidência e a Egrégia Corregedoria Geral
deste Pretório, solicitando ajuda e demonstrando a
imprescindibilidade da medida que precisa ser adotada".
Para saber mais, leia o pedido de Habeas Corpus e a decisão.
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