Após o recente pronunciamento do
presidente da câmara Eduardo Cunha que afirmou categoricamente que obstaria
qualquer projeto pela legalização do aborto, reacendeu-se o fogo em torno do
debate sobre a legalização do aborto. Por evidente, acredito que uma questão
ética tão crucial como é a legalização do aborto merece mais espaço no debate
público. Por outro lado, o que é particularmente frustrante é identificar que
este debate esta viciado pelo recorrente uso de informações, como é dos
comentários de Rita Frau sobre o caso.
Segundo o Estadão: "Rita Frau, integrante do grupo de
mulheres Pão e Rosas e membro da Executiva Nacional do Movimento Mulheres em
Luta, também comentou a declaração do deputado em redes sociais. Ela disse: “A
declaração dele é simplesmente o aval para que sigam morrendo milhares de
mulheres por abortos clandestinos todos os anos. No Brasil ocorre 1 milhão de abortos
e mais de 200 mil mulheres morrem todos os anos. O que ele está dizendo, é que
o Estado manterá a criminalização do aborto e as mulheres continuarão
realizando o procedimento das maneiras mais precárias, anti-higiênicas, e
seguirão morrendo.”
Sendo verdadeira a proposição de Rita
Frau de que morreriam, anualmente, 200 mil mulheres decorrentes de complicações
relacionadas com a prática de abortos clandestinos, teríamos um verdadeiro
holocausto do gênero feminino. Aliás, este número de óbitos vem, de a muito,
sendo lançado como inconteste e já serviu de fundamento para que o Brasil fosse censurado pela ONU em 2012. Superado o assombro
inicial, resta a pergunta: Sobre quais dados este número foi obtido?
Para verificar a correção ou
incorreção deste número de 200 mil óbitos femininos decorrentes de abortos
clandestinos, verificamos as taxas de mortalidade do IBGE e dados públicos
disponibilizados pelo DataSUS. Depois da análise destas variáveis, não resta
dúvida que esta cifra de 200 mil óbitos femininos decorrentes de processos
abortivos clandestinos é completamente desprovida de fundamentos e absolutamente
divorciada dos fatos. Vejamos as razões para afirmar que o mito dos 200
mil óbitos femininos decorrentes de complicações relacionadas com práticas
abortivas não se sustenta.
Inicialmente e analisando dados do
IBGE, buscamos os números de óbitos femininos classificados como mortes
violentas. A surpresa é imediata ao constatar que o número total de
falecimentos ocorridos no período de 1998 a 2008 foi de 187.767 mortes
violentas de mulheres. Uma média portanto de 18.776 mulheres ano. Não resta
dúvida que tal cifra é absolutamente incongruente com aquele número astronômico
de 200 mil óbitos propagados por alguns, mais do que dez vezes a média anual de
mortes violentas de mulheres.
Será então que a titânica cifra
estaria inserida entre os números relativos às mortes naturais? No mesmo
decênio, faleceram 4.382.207 mulheres, sendo que destas 3.821.866 são
referentes a pessoas maiores de 40 anos (em regra fora da idade reprodutiva) e
252.934 referentes a menores de 5 anos idade. Totaliza-se assim 4.074.800 óbitos
de mulheres que, muito provavelmente, devem-se a outros fatores diversos da
complicação com aborto. Isso quer dizer que, excluindo aquelas, restam 307.407
óbitos naturais de mulheres em um período de 10 anos (30,740 óbitos femininos
por ano em média), notando que esse número é referente ao total de mulheres
maiores de 5 anos e menores de 40.
Considerando que o 30.740 como a
média anual de óbitos naturais femininos nesta parcela da população (de 5 a 40
anos de idade), resta impossível que 200.000 mulheres morram devido a
complicações decorrentes de aborto ano, pois este número é superior é seis
vezes superior ao número de óbitos naturais que anualmente
acometem as mulheres em idade reprodutiva.
A incorreção deste número é tamanha
que podemos estabelecer algumas comparações para evidenciar o
absurdo. Dizer que morrem 200 mil mulheres em decorrência de abortos
clandestinos por ano é tão divorciado da realidade que ignora que tal montante
é seis vezes superior à média anual de óbitos naturais de mulheres com idade
entre 5 e 40 anos. E mesmo se considerarmos que 200.000 mulheres morreram em
decorrência de complicações com o aborto não em 1 (um) mas em 10 (dez) anos,
seria o mesmo que dizer que de cada 100 óbitos de mulheres entre 5 e 40 anos,
65,06% seria decorrentes de complicações com aborto.
Demonstrado que o número de 200 mil
óbitos de mulheres em decorrência de complicações relacionadas ao aborto
clandestino é completamente inverídico e desprovido de substância, vejamos
dados oficiais do SUS sobre a questão: Segundo o DataSUS, o número de
óbitos de mulheres relacionados com complicações decorrentes de aborto (todos
os tipos de aborto incluindo espontâneos e não esclarecidos) ocorridos no ano
de 2004 foi de 156 falecimentos.
As mortes por falhas de tentativa de aborto provocado, as
únicas realmente registradas como tais nos dados do DataSUS, foram,
respectivamente nos anos de 2002, 2003 e 2004, em número de 6, 7 e 11 mortes.
Em 2014, o DataSUS indica que o
número total de mulheres que faleceram em decorrência de problemas relacionados
com a gestação, parto ou puerpério (incluindo aí todos os casos de aborto) foi
de exatos 1.176 óbitos. Número absolutamente distante daqueles absurdos
200 mil casos.
Sendo assim, que venha o debate, mas, por favor, não utilizemos dados
fantasiosos e inverídicos.
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