Inserido no contexto da
polarização das redes sociais, Jair Bolsonaro (PP-RJ) ocupou o centro do debate
jurídico nesta semana. Na terça-feira (21 de junho de 2016) o STF
aceitou denúncia contra o referido deputado federal pelo crime de incitação ao
crime (art. 286, CP). Uma onda de comentários varreu a internet. Enquanto
os partidários de Jair Bolsonaro proclamavam uma conspiração da Excelsa Corte
contra o irascível deputado, doutro lado da trincheira ideológica, outros
faziam textões sobre a importância de combater a cultura do estupro.
O problema, pelo menos da
perspectiva acadêmica, é que a polarização é absolutamente contraproducente
quando a proposta é determinar a correção jurídica da denúncia. Por isso,
tentar-se-á discutir o fato da forma mais neutra possível, deixando de lado
ideologias político-partidárias e concentrando-se no problema jurídico.
O CASO
Em 2003, durante uma entrevista,
Jair Bolsonaro foi interrompido pela deputada Maria do Rosário (PT-RS). Os
fatos foram filmados e o vídeo é reproduzido abaixo.
Anos depois, no dia 9 de dezembro
de 2014, Jair Bolsonaro retorna para tribuna da Câmara dos Deputados para
contradizer um discurso de Maria do Rosário contra a ditadura militar. O vídeo
encontra-se abaixo.
A repercussão foi instantânea,
retumbando pelos veículos
de imprensa e, também, nas redes sociais. No dia seguinte, entrevistado pelo Zero
Hora, o deputado afirma que não teme processos e tentou explicar o contexto
de sua declaração dizendo: “Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela
é muito feia. Não faz meu gênero. Jamais a estupraria”.
A DENÚNCIA E A QUEIXA-CRIME
No dia 21 de junho de 2016, o STF
aceitou denúncia pelo crime de incitação ao crime (art. 286, CP) e queixa-crime
pelo delito de injúria (art. 141, CP). Os fatos que são objeto da denúncia são
aqueles realizados nos dias 9 dezembro, quando do discurso no plenário da
Câmara dos Deputados, e 10 de dezembro, durante a entrevista concedida ao
Jornal Zero Hora.
SOBRE A INCITAÇÃO AO CRIME
Aqueles que pugnam pela
tipicidade da frase “não estuprava você porque você não merece” sustentam que a
proposição deve ser entendida no seguinte sentido: ao dizer que não estupraria
alguém por falta de “merecimento”, estaria deixando subentendido que existiriam
alguns que mereceriam o assalto sexual. Ao deixar implícito que alguém “mereceria”, estaria
incitando pessoas a praticarem crimes sexuais contra estes supostos “merecedores”. Depois destes desdobramentos de significado, a frase estaria
contextualizada como uma reafirmação da “cultura de estupro” e degradação do
gênero feminino.
Ainda que não existam dúvidas sobre a
abominação dos crimes sexuais, que certo seja o fato que ninguém merece ser
estuprado e que não se coloca dúvidas sobre a infelicidade – para não dizer
boçalidade - da sentença proferida por Bolsonaro, não se pode concordar com esta
linha de argumentação pela tipicidade da conduta do deputado nas iras
do art. 286 do Código Penal (incitação ao crime). Explica-se.
Ao se pronunciar a famigerada
frase “não estupro porque você não merece” não foram preenchidos os elementos típicos do
crime de incitação uma vez que para tanto exige-se que se conclame à prática de
crime relativamente determinado, não bastando referências abstratas ao delito.
Não é objeto de disputa que, dizendo “não estupro porque você
não merece”, não estava incentivando a prática de abusos sexuais
contra a deputada Maria do Rosário e, demanda-se um certo malabarismo
semântico, para considerar implícito que o deputado, ao pronunciar-se nestes
termos, estaria convocando o público a praticar estupros contra hipotéticos merecedores.
Não é evidente, sob minha ótica, o dolo de incitação ao crime, ainda que cristalina
a vontade ofender a deputada.
Ademais, a tipificação da conduta
prevista no art. 286 do Código Penal demanda que o incitador conclame à prática
de um crime relativamente determinado. NUCCI assevera que a reles “menção
genérica não torna a conduta típica” (Código Penal Comentado, São Paulo: RT.
2009).
Com efeito, a redação do
dispositivo mencionado refere-se “a crime”, o que não requer determinada
infração penal, mas sim um fato determinado, ou seja, não basta falar,
genericamente, a favor, por exemplo, da sonegação fiscal, mas é preciso incitar
a prática de certa ou determinada sonegação ou de certa pluralidade de
sonegações determinadas. É essa a individualização exigida pelo tipo penal quando
fala em “prática de crime”. Como destacava Soler, “não basta falar, genericamente,
a favor do roubo, mas é preciso instigar a prática de determinado roubo ou de
certa pluralidade de roubos determinados”, ou mais precisamente, no magistério
de Heleno Fragoso, que subscrevemos integralmente: “É indispensável, todavia,
que se trate de um fato delituoso determinado (e não de instigação genérica a
delinquir). Por fato determinado entende-se, por exemplo, um certo homicídio ou
um certo roubo, e não roubos ou homicídios in
genere” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 6. e.. São
Paulo: Saraiva, 2012. v. 4.).
Neste mesmo sentido:
“A instigação feita
genericamente, de modo vago, não tem eficácia ou idoneidade, por isso não configura
o delito previsto no art. 285 do CP/40” (TACRIM-SP – AC. – Rel. Ralpho Waldo –
RT 598/351).
Resta evidente pela análise do
vídeo que a suposta incitação somente poderia ser reconhecida de forma
indireta - para não dizer tortuosa -, por um desdobramento de significado que deixaria implícito que
algumas pessoas - quais não se sabe ao certo – mereceriam ser estupradas – não se
sabe exatamente por qual razão – em determinados contextos absolutamente indeterminados.
Como pode-se observar a hipotética incitação é completamente desprovida de
qualquer determinação. É, pois, absolutamente vaga e inidônea.
CONCLUSÃO: Pela análise dos vídeos e da entrevista, não é
o caso de afirmar a prática de incitação ao crime.
SOBRE A INJÚRIA
No caso do crime de injúria,
objeto da queixa-crime, poucas dúvidas existem sobre a materialidade da
conduta, pelo menos no que se refere aos fatos de 2014. É evidente que
pretendia ofender a deputado Maria do Rosário ao reviver e repetir as ofensas
irrogadas em 2003. Nota-se que o deputado praticamente confessou o propósito de
ofender quando de sua entrevista ao jornal gaúcho quando aproveita para
reiterar a ofensa. Afirma, categoricamente, que proferiu tal frase com o intuito de ofender os atributos estéticos da deputada. Nas palavras de Bolsonaro: “Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela
é muito feia. Não faz meu gênero. Jamais a estupraria”. Não há dúvidas, portanto, da finalidade injuriante nas palavras do deputado.
Em relação ao acontecido em 2003,
como se destaca do vídeo, Jair Bolsonaro foi injustamente ofendido pela
deputada Maria do Rosário e, naquele contexto, seria merecedor de perdão
judicial em decorrência de retorsão imediata, conforme previsão do art. 140,
§1º do CP (“o juiz pode deixar de aplicar (...) no caso de retorsão imediata,
que consista em outra injúria).
Se por um lado, Jair Bolsonaro
poderia se defender dos fatos praticados em 2003 alegando em seu benefício o
instituto da retorsão imediata; esta linha de defesa não é
possível aos fatos realizado em 9 e 10 de dezembro de 2014, uma vez que Maria
do Rosário não pronunciou nenhum comentário injuriante que permitisse uma
resposta ofensiva.
IMUNIDADE PARLAMENTAR.
É o entendimento dominante no STF
que a imunidade parlamentar (art. 53, caput, CF) não é uma garantia absoluta e, portanto, não permite que o
deputados e senadores abusem de tal garantia para satisfação de propósitos estranhos ao
mandato. Assim, partindo da orientação da Excelsa Corte, o deputado federal não tem a prerrogativa proferir ofensas gratuitas sob o manto de seu mandato parlamentar.
O que causa estranheza é o casuísmo do STF que, apesar de decidir pela relativização da imunidade parlamentar do caso de Jair Bolsonaro, não fez a mesma coisa no caso de Jandira Feghali. Difícil de arguir a correção simultânea das duas decisões. Neste sentido, reproduzo as pertinentes colocações de Lênio Streck:
"O recebimento da denúncia contra o deputado Jair Bolsonaro (PP) é um ponto fora da curva ou a partir de agora o Supremo Tribunal Federal aplicará esse novo entendimento para todos os casos de discussão de imunidade? Ou o STF só o fez porque era “esse caso”? Sem discutir o mérito do caso (despiciendo falar do abjeto ato do deputado), quero saber se o STF, a partir de agora, dirá que “em casos x, y e z, a imunidade do parlamentar não prevalece”? Só para saber. Veja-se que dias antes, Jandira Feghali (PCdoB) manteve sua imunidade sem máculas, quando associou Aécio Neves ao consumo de cocaína. O senador Fernando Collor (PTC) chamou o procurador-geral da República de f.d.p. Então? Ah, dirá o Líder da Minoria no Congresso, mas esse caso do Bolsonaro é (mais) grave. OK. É grave. Mas a apreciação é moral? É política? Discutimos a imunidade pela apreciação moral do que foi dito? Como sabem, decisões devem ser por princípio e não por política ou moral".
O que causa estranheza é o casuísmo do STF que, apesar de decidir pela relativização da imunidade parlamentar do caso de Jair Bolsonaro, não fez a mesma coisa no caso de Jandira Feghali. Difícil de arguir a correção simultânea das duas decisões. Neste sentido, reproduzo as pertinentes colocações de Lênio Streck:
"O recebimento da denúncia contra o deputado Jair Bolsonaro (PP) é um ponto fora da curva ou a partir de agora o Supremo Tribunal Federal aplicará esse novo entendimento para todos os casos de discussão de imunidade? Ou o STF só o fez porque era “esse caso”? Sem discutir o mérito do caso (despiciendo falar do abjeto ato do deputado), quero saber se o STF, a partir de agora, dirá que “em casos x, y e z, a imunidade do parlamentar não prevalece”? Só para saber. Veja-se que dias antes, Jandira Feghali (PCdoB) manteve sua imunidade sem máculas, quando associou Aécio Neves ao consumo de cocaína. O senador Fernando Collor (PTC) chamou o procurador-geral da República de f.d.p. Então? Ah, dirá o Líder da Minoria no Congresso, mas esse caso do Bolsonaro é (mais) grave. OK. É grave. Mas a apreciação é moral? É política? Discutimos a imunidade pela apreciação moral do que foi dito? Como sabem, decisões devem ser por princípio e não por política ou moral".
Respeitando o jogo da doutrina jurídica neste país, não poderia deixar de expor algumas idéias como telespectador deste caso. É lamentável deparar com questões deste porte, onde neste país está mais raro encontrar a legitimidade dos fatos.Segundo comentarios nas redes sociais existem outras intenções por traz desta deplorável situação onde envolve a deputada e o réu, intenções de torná-lo inelegível em 2018 já que o réu seria pré candidato para a presidência do Brasil e cada dia é mais aclamado pelo povo brasileiro. Para nós leigos no meio jurídico e difícil entender tantos malabarismos para nada, porque ignorar as maiores proporções e o real motivo deste processo? Por isso digo que é um jogo jurídico onde políticos usam o jurídico como um tabuleiro de xadrez. Estamos aos caos da calamidade política e em meio há mortos e feridos o STF por 4 a 1 torna réu Jair Bolsonaro. Por nada um homem cuja vida politoca é exsmplo; Lamentável, decepcionante.
ResponderExcluirAcima dos homens reina a Justiça que muito das vezes é falha pelo jogo do interesses.