Na sessão desta quinta-feira (23), o Plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) entendeu que o chamado tráfico privilegiado, no
qual as penas podem ser reduzidas, conforme o artigo 33, parágrafo 4º,
da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), não deve ser considerado crime de
natureza hedionda. A discussão ocorreu no julgamento do Habeas Corpus
(HC) 118533, que foi deferido por maioria dos votos.
No tráfico privilegiado, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a
dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes,
não se dedique às atividades criminosas nem integre organização
criminosa. No caso concreto, Ricardo Evangelista Vieira de Souza e
Robinson Roberto Ortega foram condenados a 7 anos e 1 mês de reclusão
pelo juízo da Comarca de Nova Andradina (MS). Por meio de recurso, o
Ministério Público conseguiu ver reconhecida, no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), a natureza hedionda dos delitos. Contra essa decisão, a
Defensoria Pública da União (DPU) impetrou em favor dos condenados o HC
em julgamento pelo Supremo.
O processo começou a ser julgado pelo Plenário em 24 de junho do ano
passado, quando a relatora, ministra Cármen Lúcia, votou no sentido de
conceder o HC e afastar o caráter de hediondez dos delitos em questão.
Para ela, o tráfico privilegiado não se harmoniza com a qualificação de
hediondez do delito definido no caput e no parágrafo 1º do artigo 33 da
Lei de Drogas. O julgamento foi suspenso em duas ocasiões por pedidos de
vista formulados pelos ministros Gilmar Mendes – que seguiu a relatora –
e Edson Fachin.
Na sessão de hoje, o ministro Edson Fachin apresentou voto-vista no
sentido de acompanhar a relatora, reajustando posição por ele
apresentada no início da apreciação do processo. Segundo ele, o
legislador não desejou incluir o tráfico minorado no regime dos crimes
equiparados a hediondos nem nas hipóteses mais severas de concessão de
livramento condicional, caso contrário o teria feito de forma expressa e
precisa.
“Nesse reexame que eu fiz, considero que a equiparação a crime
hediondo não alcança o delito de tráfico na hipótese de incidência da
causa de diminuição em exame”, disse o ministro Fachin, acrescentando
que o tratamento equiparado à hediondo configuraria flagrante
desproporcionalidade. Os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber também
reajustaram seus votos para seguir a relatora.
Ao votar no mesmo sentido, o ministro Celso de Mello ressaltou que o
tráfico privilegiado tem alcançado as mulheres de modo grave, e que a
população carcerária feminina no Brasil está crescendo de modo
alarmante. Segundo o ministro, grande parte dessas mulheres estão presas
por delitos de drogas praticados principalmente nas regiões de
fronteiras do país.
Dados estatísticos
O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, também votou no
sentido de afastar os efeitos da hediondez na hipótese de tráfico
privilegiado. Ele também observou que a grande maioria das mulheres está
presa por delitos relacionados ao tráfico drogas, e quase todas
sofreram sanções desproporcionais às ações praticadas, sobretudo
considerada a participação de menor relevância delas nessa atividade
ilícita. “Muitas participam como simples ‘correios’ ou ‘mulas’, ou seja,
apenas transportam a droga para terceiros, ocupando-se, o mais das
vezes, em mantê-la, num ambiente doméstico, em troca de alguma vantagem
econômica”, ressaltou.
O voto do ministro Lewandowski
apresenta dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias
(Infopen) do Ministério da Justiça que demonstram que, das 622.202
pessoas em situação de privação de liberdade (homens e mulheres), 28%
(174.216 presos) estão presas por força de condenações decorrentes da
aplicação da Lei de Drogas. “Esse porcentual, se analisado sob a
perspectiva do recorte de gênero, revela uma realidade ainda mais
brutal: 68% das mulheres em situação de privação de liberdade estão
envolvidas com os tipos penais de tráfico de entorpecentes ou associação
para o tráfico”, afirmou o ministro, ressaltando que hoje o Brasil tem a
quinta maior população carcerária do mundo, levando em conta o número
de mulheres presas.
De acordo com ele, estima-se que, entre a população de condenados por
crimes de tráfico ou associação ao tráfico, aproximadamente 45% – algo
em torno de 80 mil pessoas, em sua grande maioria mulheres – tenham
recebido sentença com o reconhecimento explícito do privilégio. “São
pessoas que não apresentam um perfil delinquencial típico, nem tampouco
desempenham nas organizações criminosas um papel relevante”, afirmou.
Resultado do julgamento
O voto da relatora foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto
Barroso, Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso
de Mello e Ricardo Lewandowski. Ficaram vencidos os ministros Dias
Toffoli, Luiz Fux e Marco Aurélio, que reconheceram como hediondo o
crime de tráfico privilegiado.
Crimes hediondos
Os crimes hediondos, previstos na Lei 8.072/1990, e os equiparados
(tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo)
são inafiançáveis e insuscetíveis de anistia, graça ou indulto, e a
progressão de regime só pode acontecer após o cumprimento de dois
quintos da pena, se o réu for primário, e de três quintos, se for
reincidente.
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