quinta-feira, 4 de agosto de 2016

10 ANOS DE LEI MARIA DA PENHA: Quais são os seus efeitos na violência de gênero?


Por ocasião dos 10 anos da Lei Maria da Penha (11.340/2006), a senadora Simone Tebet (PMDB-MS) afirmou que o referido texto normativo teria evitado mais de 250.000 mortes de mulheres em seu 10 anos de vigor [FONTE]. O grande problema desta afirmação é que os números não se sustentam.

Vejamos os dados referentes às taxas de homicídio.

Tabela 1: Número de homicídios com vítimas do gênero feminino. FONTE: Mapa da Violência: Homicídio de mulheres no Brasil [2015]
Para que a proposição da senadora seja correta, necessário seria que, no período de dez anos, cerca de 25.000 mulheres deixassem de ser brutalmente assassinadas. É imediata a sensação de absurdo, visto que antes da Lei Maria da Penha, a média de homicídios com vítimas femininas nunca ultrapassou, em nenhum ano, o patamar de 4022 assassinatos.

Como pode-se notar pela análise do gráfico, o número de homicídios com vítimas do gênero feminino aumentou significativamente no período 1999-2013. Entretanto, destaca-se que aumentou ainda mais depois da entrada em vigor da Lei Maria da Penha.

Em 1999, o número de mulheres assassinadas no Brasil foi de 3.536 vítimas, saltando para 4.022 no ano de 2006, um aumento, portanto, de 13% nos anos imediatamente anteriores à publicação da L. n. 11.340/2006. Considerando os anos posteriores, não é surpresa uma queda significativa em 2007, passando para 3.772 vítimas. Trata-se do efeito simbólico da nova legislação, fenômeno relativamente comum no Brasil. As pessoas são bombardeadas por campanhas e informações sobre a violência de gênero e, acreditam, por algum tempo que aquela lei poderá ser, nalguma medida, efetiva. Com o passar do tempo, superada a novidade, a esperança é atropelada pela impunidade e as taxas voltam a crescer. É, justamente, o caso em pauta. Depois de 2007, o número de homicídios de mulheres voltou a crescer atingindo em 2013 a cifra de 4.762 vítimas. Um incremento de 18% em relação aos números de 2006. O verdadeiramente assombroso é que, o número de homicídios de vítimas do gênero feminino aumentou mais nos 7 anos seguintes da Lei Maria da Penha (18%) do que nos 7 anos anteriores (13%). Como a Lei Maria da Penha evitou a morte de 250.000 vítimas é um mistério.

Vejamos agora a taxa de homicídios de mulheres. As cifras são relativas ao número de mortes por grupo de 100.000 pessoas em um determinado ano.

Tabela 2: Número relativo de homicídios com vítimas do gênero feminino. Mortes por grupo de 100.000/ano. FONTE: Mapa da Violência: Homicídio de mulheres no Brasil [2015]
A taxa de homicídio de mulheres que era de 4,3 oscilou negativamente no período de sete anos, verificando uma diminuição de 2,4% até 2006, no que a taxa era de 4,2. Logo em seguida, considerando novamente o efeito simbólico da Lei Maria da Penha e de toda discussão sobre violência de gênero, a cifra diminuiu ainda mais, alcançando o patamar de 3,9 homicídios por grupo de 100.000 habitantes por ano. E assim como na tabela referente ao número absoluto de homicídios, a taxa voltou a crescer em ritmo assustador, terminando 2013 no patamar de 4,8. Salienta-se que nos sete anos seguintes da edição da Lei Maria da Penha, a taxa de homicídios de mulheres cresceu 14,2% enquanto nos sete anos anteriores observou-se uma queda de 2,4%. Continua inexplicável como a senadora chegou à conclusão de que a Lei Maria da Penha teria poupado a vida de um quarto de milhão de mulheres.

Prosseguindo em nossa análise.

Tabela 3.Taxa de homicídios por grupo de 100.00 habitantes por ano (Total/Homens/Mulheres) no período de 2004-2013. Fonte: IPEA: Atlas da violência 2015.
O gráfico acima apresenta as evoluções das taxas de homicídios totais, de homens e de mulheres no decênio 2004-2013. Desde a edição da Lei Maria da Penha, a taxa de homicídios no Brasil aumentou 8%, passando de 26,2 para 28,3. A taxa de homicídios com vitimas do gênero masculino aumentou 6,8%, passando de 22 para 23,5. A grande surpresa é que a taxa de homicídio de mulheres, apesar da edição de uma lei voltada para coibir, especificamente, a violência de gênero aumentou em ritmo mais acelerado (14,2%) do que as outras. 
Relação percentual do número de mulheres vítimas de homicídios em relação ao número total de homicídios praticados anualmente. Fonte:Fonte: IPEA: Atlas da violência 2015.
A situação é tão catastrófica que, além de tudo já informado, a participação dos homicídios de mulheres no número total de assassinatos praticados anualmente aumentou. Em 2004, dois anos antes da publicação da Lei Maria da Penha, para cada 100 homicídios praticados no Brasil, 8,5 eram de mulheres. Já em 2014, oito anos depois da L. n. 11.343/2006, para cada 100 homicídios praticados 8,6% são de vítimas do gênero feminino. Ou seja, a participação total das mulheres no número de vítimas de homicídio aumentou no período em 1,5%. O que é, absolutamente, contrafático em relação à uma suposta efetividade da Lei Maria da Penha na prevenção da violência de gênero.

CONCLUSÃO
A Senadora Simone Tebet não tem base fática para afirmar que a Lei Maria da Penha teria evitado a morte de 250.000 mulheres no período de 10 anos de vigência do referido diploma normativo. Pelo contrário, os números colocam em dúvida a eficácia desta legislação no que, depois da edição da Lei Maria da Penha, assassinam-se mais mulheres, tanto em números absolutos quanto em relativos. Não somente isso, a violência contra mulheres aumentou em ritmo mais acelerado do que a violência contra homens e do que a média nacional e, ainda, proporcionalmente a participação de homicídios contra mulheres aumentou no durante a vigência da Lei n. 11.340/2006.

Podemos, ainda, concluir que é a impunidade o principal combustível para a violência contra a mulher. Aliás, enquanto os responsáveis pela Segurança Pública não compreenderem que, mais do que leis, precisamos de certeza de punição, continuaremos as chorar pelas vidas que se perder para a brutalidade que se tornou nosso cotidiano. 

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